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sábado, 8 de março de 2014

E depois do Ano paulino?


Era uma noite quente e cansada. Não convidava à reflexão mas a bebidas frescas e ao afago da brisa suave. Ainda assim, na passada Quinta-feira, 18 de Junho, a Sala dos Terceiros encheu-se para escutar o Pe Armindo Vaz, Carmelita Descalço, teólogo e biblista a quem a Academia bem conhece mas desconhecido para os que vivem para além do claustro. Foi um gosto ouvi-lo durante mais de uma hora naquela noite abençoada.Ficaram assim inauguradas As Noites do Carmo, que se espera tragam no futuro quem nos faça pensar, nos centre nas pegadas de Cristo e nos sintonize com o pulsar da história da humanidade e da vida da Igreja. O que propusemos ao Pe Armindo foi que nos falasse do depois da celebração do Ano Paulino. E ele respondeu ao desafio fazendo-nos passar primeiramente por um resumido e sumarento esboço da espiritualidade paulina. Aconselha-se vivamente a consulta do blog da Comunidade e a estudar o breve resumo feito pelo próprio: http://chamadocarmo.blogspot.com/2009/06/e-depois-do-ano-paulino_20.html.

O Apóstolo da comunicação
Julgo que até mesmo entre os que pouco sabem do Apóstolo, dificilmente desconhecerão que foi este o maior propagador da notícia cristã. Todos os outros (nada menos que doze!) falaram para dentro da tradição judaica ou tardaram a sair das suas fronteiras culturais. Paulo destacou-se pela urgência de falar para fora. Foi esse o seu carisma, é isso que todos podemos aprender dele: falar, falar para fora, falar clara e corajosamente da salvação de Jesus, falar para quem desconhece que ela é universal. Apresentar a proposta salvadora de Jesus nos sites, blogues, twitter, hi5, mySpace, flickr e tantos outros canais é tarefa quase por começar, inconclusa e que bem podemos aprender do espírito zeloso de Paulo, que cruzou todas as fronteiras culturais do seu tempo, sem se dispensar de a todas anunciar com frescura a Verdade sempre nova que todos anseiam.

Discípulo incansável e fiel
Era uma personalidade inadiável, inflexível, quase violento. Pelas convicções a que aderiu perseguiu convictamente a Cristo na pessoa dos discípulos, chegando a consentir na sua morte. Derrubado, porém, pela Luz e por Ela iluminado o seu erro, foi um discípulo intransponível, um aríete incansável, ardente como uma fornallha e manso como uma pomba. Bom conhecedor do excesso de ofertas sedutoras e enganosas que o mundo sempre (e ainda hoje) proporciona aos que abraçam a fé em Cristo, Paulo fala e incarna o que fala. Por isso, Paulo a si mesmo se ofereceu como modelo de discípulo e de acção; disse: «Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo.» O tempo urge, a sementeira é sempre ali. Volvido o Ano Paulino e a contemplação do modelo, urge, sem medo, imitá-lo, pois o Apóstolo bem sabia que não basta falar é preciso trabalhar.

O sinal da Cruz
Paulo completa no seu sofrimento o que falta à Cruz de Cristo. À primeira vista tal é inaudito e parece impossível, porém por ele é visto como graça e missão de todos e para todo o sempre. Apedrejado, flagelado, prisioneiro, marcado para morrer, doente, com lágrimas nos olhos e as marcas de Cristo em seu corpo, Paulo sofre com um espinho na carne. Perseguido e fugitivo escapou escondido num cesto, passou por perigos no mar, nos rios, no deserto, nos naufrágios, foi incompreendido pelos irmãos de raça, pelos pagãos e pelos falsos irmãos. Mas todo esse sofrimento lhe trouxe vigor, desassombro e ímpeto missionário. Olhando-o só se pode enfrentar o futuro pedindo a mesma energia indomável, a obstinação missionária, vontade férrea, ternura de mãe, calor humano, generosidade de acção, oração e amor à Igreja. O Ano Paulino só pode fortalecer-nos no compromisso de colaboração mais generosamente da salvação dos irmãos pela comunhão no mistério pascal da Cruz do Senhor.

O fim das diferenças e assimetrias
É convicção de Paulo que a partir de Cristo já não existe mais diferenças entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, entre judeu e grego, entre europeu e africano, entre detentor do poder e os deserdados dele. Aos sem poder pede-lhes que acreditem na vida comunitária e que sejam perseverantes na fé, e que pela união a Cristo se revoluciona todo o sistema social que humilha e explora. Agora vivemos em Cristo, como explicou aos coríntios. Todos somos filhos de Deus; essa é a nova condição que possibilita uma nova visão de cidadania, pela qual ninguém é estranho a ninguém. Na verdade, sempre que se evidenciam as diferenças gera-se divisão, estropia-se a harmonia e fere-se a comunhão e a fraternidade. Para o cristão não existe outro viver e consentir que o de Cristo, e Cristo não pode dividir-se ou contradizer-se.
Depois do Ano Paulino, Cristo só pode crescer.

[ChamadoCarmo - 28 de Junho de 2009]

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