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sábado, 21 de dezembro de 2013

Som aqui!


Som aquí!

El Carmelites Descalços, ens podem quedar al marge del lloc on es mou tothom: els nens i els joves; els inquiets i els indiferents; els amics fidels de Déu i els buscadors; els adversaris i tots els nostres amics? Podem no ser a la xarxa? Podem no estar presents allà on qui
correm seriosament el risc de no existir, perquè, inconscients, seguim preferint la realitat concreta i els fulls fràgils, que un cop llegits volen i s'allunyen i es desfan de la memòria, quan la gent ens cerca en la virtualitat?
Del 21 al 27 de setembre es va realitzar a la Universitat de la Mística, el CITeS d’Àvila, el I Congrés sobre la Informació al nostre Orde. I allà se'ns va recordar, encertadament, que cal que el Carmel estigui molt viu allà on comença a ser normal que ens busquin: les xarxes socials.
Si és veritat que la gent ens cerca, si és veritat que tots, també els carmelites, volem ser trobats, hem de procurar amb tossuderia donar prioritat a la qualitat de la nostra presència i de la nostra imatge allà on se’ns busca. No ferho significaria menysprear el zel dels cercadors.
Els participants al Congrés –frares carmeli-tes i alguns laics– veníem de prop de 40 països buscant la manera d’aprendre a millorar la informació (i la comunicació) cap a dins i cap a fora de l'Orde. Especialment, com millorar la manera de presentar el proper i gran esdeveniment de la celebració del V centenari del naixement de Teresa de Jesús, mare nostra. no hi apareix és desconegut i, conseqüentment, no existeix?
Durant aquests dies, les xerrades van ser profundes i van tocar l'essencial. Així, per aconseguir l'eficàcia de la notícia és molt important transmetrela amb simplicitat, senzillesa i sobrietat. Els experts de la comunicació ho van dir ben clarament: en l’elaboració de la noticia, no hi ha res millor que la senzillesa i l'objectivitat, no oblidant que és millor no dir que dir malament, i que és sempre difícil decidir el que hem d'escriure o noticiar.
És cert que vivim temps de por a la premsa. Por, o millor dit, horror a la imatge distorsionada de l’Església que acostuma a sortir a les primeres pàgines. Ens hem acostumat a creure que només destaquen allò més negre i escandalós, sia el que sia. Hem de continuar mantenint aquesta fòbia? Més aviat, digueren els professors, cal fer de tots els mitjans de comunicació, sense distinció, aliats nostres i de la nostra missió. És cert que generalment ignoren el nostre món, però també és cert que moltíssimes vegades és perquè no ens coneixen i per falta d'invitació, per part nostra, a fer plegats un tros del nostre camí.
És veritat –i veritat de debò!– que som guardians d'un gran tresor, i que aquest més creix quant més s’anuncia! L’amagarem i ens el guardarem només per a nosaltres? Gosarem fer emmudir la Paraula que dóna vida? Negligirem els mitjans, més senzills o més eficaços, que puguin amplificar la Bona Nova, perquè només ressoni en el silenci dels nostres claustres?
S’acostuma a dir que l'Església és experta en humanitat, però que no sap comunicar en el món de la virtualitat la Paraula salvadora. Més enllà de les fronteres de la nostra tribu la poca gent que entra a les nostres esglésies– hi viuen i creixen els assedegats de bones noves. Com podem apaivagar la seva set de l’aigua viva que els pot saciar? Per ara, aquesta pregunta resta sense resposta suficient.
Tot ésser humà és comunicació i trobada. Tot cristià és convidat a sortir donant testimoni de la seva fe encarnada al món. Els Carmelites som homes i dones portadors de memòria. Ahir, en els moments més durs i ingents, l'Església, com a bona mare, va saber arribar al cor dels seus fills i donar calor a les seves esperances. En aquest moment de la història que ens toca viure hem de tornar a aprendre a dir, o sigui, a transmetre, per tot els mitjans a la nostra mà, la suau novetat de l'única Paraula que asserena, calma i salva.

BUTLLETÍ DE LA CC | nº 76 | Dezembro de 2013

(Comunidade Carmelita de de Badalona, Catalunha)

domingo, 1 de dezembro de 2013

Notas de Roda-pé

Um par velhinho

Eu lia ao fundo da sala. Em espera. Lia sobre um padre amigo caído em desgraça num jornal nacional. Eu sei que a história não é nada assim e sei que se contada como devesse não teria piada nenhuma, e o jornal não a publicaria porque não venderia. Algo divertido e distraído lia eu, pois, o jornal.
A sala não é grande, mas dá para dizer que tem uns fundos ao fundo, no oposto da porta, e que ali uns sofás acomodam a espera. Era ali que eu lia. E desde ali vi chegar uma velhinha. Ocorreu-me que se enganara, pois o salão é de barbeiro. Mas não, não se enganara. Deu para ouvir a meias a conversa com o dono da tesoura. Juntei a meia conversa com alguma outra que trazia sem saber no armário da memória. E pela resposta do barbeiro deu para perceber que ainda havia tempo.
Eu terminei a leitura e pousei o jornal. E entretanto ali chegou a senhora velhinha, talvez octogenária, trazendo pelo braço o trôpego marido, não muito mais velho que ela e ainda amparado por uma bengala. Levantei-me do sofá. Eu tinha menos quarenta anos e percebi que vinha cansado e nem cem bengalas o segurariam de pé!
O barbeiro ainda se demorou. O velhinho, trôpego de pernas e sôfrego de companhia, começara a falar com o rapaz da mesma geração que restara sentado. Entretanto, a esposa saíra leda para dar ainda umas voltas antes do almoço. Ponderei ceder a minha vez, mas quando ouvi que a mulher ainda tinha voltas a dar… Subi então para a cadeira e fiquei a escutar a conversa, que, afinal, era para toda aquela assembleia reunida naquela outonal Segunda-feira de manhã. Eu estava entre o curioso e o entretido, porque, afinal, já não era a primeira vez que via tão vetusto par entrar na barbearia.
E a conversa foi correndo.
O velhinho de cara redonda e bigode branco e vaidoso foi desfiando as contas do seu rosário. Não eram bem os mistérios dolorosos, porque pelas suas palavras perpassaram todos os mistérios da vida. E havia nele muita gratidão também. Fazia a barba de duas em duas semanas e aparava sempre o bigode. Eram carícias que lhe sabiam melhor depois que velho e trôpego caiu em isolamento. (Sondei o espelho e vi que o barbeiro anuía.) Aquele ritual dava-lhe muita satisfação. Não podia estar mais agradecido à mulher que o amparava escadas abaixo e ali o trazia. Via-se bem que o velhinho de bigode branco e matreiro procurava gozar o momento, fazendo-me lembrar os gatos que colhem o sol de inverno como quem, à tarde, carrega baterias.
Tinham mais de sessenta anos de casados! Ela sempre fora boa mulher! Esposa, quereria ele dizer. Mas ele não, nem sempre soubera retribuir. Fora tantas vezes infiel e ingrato. Agora arrependia-se, mas quando novo nicles. Praticamente fora ela a criar os filhos, a governar a casa, cuidar da vida como quem cuida de um jardim. Ele entregava algum ordenado, não todo, apenas migalhas. Ela bordara, lavara e passara roupa. Os três filhos são agora doutores, mais por mérito dela que dele.
Que grande mulher era aquela esposa velhinha com a sua malinha castanha no antebraço!
Tudo lhe perdoara, até mesmo quando ele fugiu com uma actriz – mais figurante que actriz, reconhece – duma companhia de teatro que visitara o verão da província. Voltou a casa mais perdido que encontrado, humilhado e rendido. O lugar manteve-se o mesmo. Os filhos já não eram novos e foi a mãe quem impôs o respeito devido ao pai.
Hoje talvez não fosse assim.
Hoje o corpo já não se mexe para nada. Não desce à rua sozinho. Não se deita nem se levanta pelas suas forças ou vontade. Não toma banho e é ela quem, baixinha, a seus pés, lhe apara as unhas e lhe trata os calos.
(Aqui já ele chorava e nós quase.)

A velhinha magrinha mais próxima de fada madrinha que sogra má ficou sempre do lado do seu homem. Aturou-lhe tudo. Perdoou-lhe. Aceitou-o. Era seu. Dedicou-se, devotou-se-lhe. Se era seu cuidou dele como seu, mesmo quando o recebia de pantanas e em frangalhos, mais filho pródigo que amante galante. Era isso que agora o perturbava. Era isso que ele agradecia. Que depois de tantos desprezos ela ainda o amasse e não se poupasse a esforços para que ele estivesse bem. À noite é ela quem, de novo ajoelhada, lhe lava os pés e lhos enxuga. Ora esse é o papel de Nosso Senhor, e ele chora ao recordar-se disso.

[6 de Dezembro de 2012]

Notas de Roda-pé


O pó do chão!


Acabaram os Jogos Olímpicos. Foi há pouco, mas parece ter sido há mais de um ano. Impossível não admirar o espírito olímpico pelo menos enquanto esforço de superação à procura do citius, fortius, altius. Quer dizer, em busca do mais rápido, do mais alto e do mais forte.
Tocaram-me seis estórias olímpicas. Estórias de (quase) fracasso. Hamadou, do Níger, de 35 anos, só aprendeu a remar há três meses. Ainda assim participou sem medo de ser o último. Julius, do Quénia, competiu na prova do lançamento do dardo. Aprendeu a técnica vendo vídeos do Youtube porque o seu país não tem treinadores: ficou em 12º lugar! Moussambani, da Guiné Equatorial, foi o último a chegar na sua prova. Isso não é notícia; o que é notícia é que quase tiveram de se atirar à piscina para que não se afogasse!
Existem outras muitas estórias: Estes foram os primeiros Jogos em que todos os países apresentaram mulheres à competição. Uma delas, Nur Moahamed, encontrava-se grávida de oito meses, e como competia na prova de tiro – prova de precisão! – lá foi conversando com o filho para que se acalmasse e colaborasse. Óscar Pistorius foi o primeiro biamputado a competir nos Jogos. K. LedecKy e R. Meilutyte, ambas de 15 anos, venceram as suas provas como gente grande e saíram medalhadas a ouro. O cavaleiro japonês Hiroshi Hoketsu, de 71 anos, foi o competidor mais velho; só não participará nos próximos Jogos por que já não tem tempo para treinar outro cavalo!
Entre tantas histórias dos Jogos surpreenderam-me as três próximas: Liu Xiang, chinês, corria mais uma vez a prova dos 110 metros barreiras. Em Pequim lesionara-se durante a corrida. Nestes Jogos lesionou-se de novo, na primeira barreira. Seguiu coxeando, aproximou-se da última e beijou-a. Abandonou a pista em cadeira de rodas!
Durante um jogo de hóquei em campo, Kate Walsh, capitã da equipa inglesa, levou com o stique duma adversária no queixo. Fractura, muito sangue, tragédia. A atleta retirou-se, submeteu-se a uma cirurgia e voltou a entrar em campo para vencer a medalha de bronze!
Mitchell Manteo cumpriu os seus 400 metros de corrida e entregou ao colega seguinte o testemunho da prova. Os USA qualificaram-se para a final, mas perderam um dos seus melhores atletas, Manteo, que correra a sua prova com a perna esquerda fracturada!
Sim, existem mais estórias, mas registam-se apenas estas, embora caiba aqui também a menção feliz para o facto de povos desavindos correrem e competirem lado a lado, e subirem, quando foi o caso, sem pejo, para comungarem os degraus do pódio, e se abraçarem conciliadoramente nas bancadas dos estádios.
O que vi nos Jogos lembrou-me algo mais. Lembrou-me a beleza do desporto quando jogado sem golpes baixos, nem violências ou doping. Lembrou-me a beleza do corpo humano criado por Deus, ou, por outra, talvez permanentemente moldado por Deus e em constante superação. Lembrou-me o contributo do jogo para o crescimento e integração da pessoa humana, quer a nível pessoal quer social. Lembrou-me a eficácia do desporto na criação e desenvolvimento de valores como a disciplina e a responsabilidade, o espírito de grupo e a entreajuda, a lealdade, honestidade e perseverança. Lembrou-me o encanto do arco-íris das nações e o encontro de culturas e tradições díspares mas reunidas para festejar a fraternidade. Lembrou-me a grandeza do sacrifício que exponencia o espírito humano e o projecta para grandes realizações.
Paro aqui para me lembrar novamente dos nomes de Liu Xiang, Kate Walsh e Mitchell Manteo. Nenhum deles ficou em primeiro, mas treinaram afincadamente como os demais e até talvez o merecessem mais que os outros. Nenhum deles ganhou a medalha de ouro, mas encontraram no treino o encanto do esforço por se superarem. Nenhum deles foi laureado, mas todos se esforçaram por merecer participar, todos se sacrificaram e sacrificaram as suas famílias por causa da vontade de vencer, transcendendo e transfigurando limitações e fragilidades. A nenhum deles nasceram asas, mas disseram-nos que quando caímos temos no mínimo um pedaço de chão que nos acolhe e abraça, e de novo nos liberta para novos voos.
Razão tinha São Paulo, também ele muito atento ao que se passava nos estádios e à volta deles, quando nos recorda que ali todos correm mas só um vence. E que vencendo apenas um, todos deveríamos treinar intensamente para vencer, todos deveríamos abster-nos do excessivo e supérfluo para alcançar a glória. A Glória que não morre nem esmoece. Enfim, a mim os Jogos Olímpicos mandaram-me os olhos para lá da cortina, para o país dos dias cinzentos de treino intenso, de dureza e abnegação, de entrega cega a uma profissão que raramente traz a frescura da glória. Pelo menos de forma duradoira. Sim, gostei dos Jogos, mas, sobretudo, eles tocaram-me pelo enorme continente escondido que revelam. Cada prova e cada competição, seja para as estrelas doiradas ou os atletas anónimos mais próximos de nós, falaram-me dum mundo de esforço escondido, de treino denodado, de suor e trabalho duro e exigente, de disciplina e combate à indolência.

Para mim, o mais belo dos Jogos Olímpicos esteve antes. Esteve antes e ficou escondido. Pelo esforço tamanho muitos lograram beber a glória por uma taça. Mas não foi menor a vitória daqueles que mesmo não ganhando, alcançaram erguer-se do pó do chão, tantas vezes acima das melhores expectativas deles próprios.

[4 de Setembro de 2012]

Notas de Roda-pé

A prateleira mais alta
(Ideia bem comprada!)

À medida que os dias de Páscoa vão avançando vai esmorecendo a força do fogo novo que inopinadamente rebentou ainda a noite de Páscoa estava negra. Não é fácil manter acesa a chama da fé! E assim como um fogo, assim a fé. Arde o fogo e resta a cinza que se acumula sobre as brasas. Há cinza. E com sorte haverá brasas por debaixo! À medida que os dias da Páscoa crescem parece que o fogo que emergiu das cinzas pretéritas e com as quais antes nos ungíramos se vai acalmando, apagando.
À medida que os dias de Páscoa crescem murcham as flores e rebentam frutos pequeninos como amêndoas pequeninas, e então os pregadores pregam-nos urgências para mantermos pura a renovada juventude da alma. E assim, à medida que murcha o calor do fogo e esmoece o viço das flores, urge invocar o Espírito Santo de Deus, para que, irrompa poderoso como um fogo caindo do alto em cachoeira sobre nós!
Passam as semanas. A dúvida instala-se. Poucos são já os que se dão ao trabalho de ir mar adentro, impelidos pelo vento da notícia da Ressurreição. Passadas quase sete semanas, quem ainda se sente barco impelido ou testemunha arrebatada pelo inaudito?
Não é fácil manter acesa a chama da fé!
(É aqui que compro a ideia ao P. Leal!)
Como estava atrasado no meu artigo o meu amigo sussurrou-me em linha e meia um conto, que eu contarei mais pelo exercício de adivinhar que o de ouvir. Ora, era uma vez…
O supermercado das religiões. Pois é, segundo aquele conto bendito existem supermercados das religiões. E são muitas as religiões! (Quero crer que as embalagens mais bonitas e de excelência de grafismo nem sempre são as que embalam o melhor produto; digo, a melhor religião!) De resto, todos sabemos que existem três coisas que nem Deus sabe. Uma delas é o número de religiões! Se acrescentarmos alguns sucedâneos a que basta juntar água à maneira de baptismo, então, fiuuuuu! Fiuuuuuuuuuu, mesmo! São tantas as religiões existentes que dão para encher quilómetros e quilómetros de prateleiras, que como sabemos possuem vários níveis ou andares.
Ora, segundo este conto que começou era uma vez, existe um supermercado das religiões, onde se apresentam as diferentes religiões. Logo à entrada estão uns pacotinhos bonitinhos. Quem comprar tem direito a dois pauzinhos de incenso produzido em Alverca, mas directamente importados de uns inalcançáveis monges do Tibete! Um pouco ao lado, os pacotinhos são maiorzinhos, em tons azuis, e afirmam conter água do rio Jordão; quem comprar e beber vai sentir-se limpo e renovado. A verdade é que a prateleira é enorme o que nos deixa a leve suspeita que se toda aquela água fosse do rio Jordão ele será – digo será, porque nunca o vi! – da dimensão do Oceano Índico! Outra prateleira ostenta umas caixinhas cor de terra, que prometem ser biodegradáveis. Ler são poucos os que lêem aqueles caracteres orientais, mas todos acabam percebendo que levando levarão para casa uma réplica da malga de Buda, aquela mesma pela qual ele bebeu da água do rio antes de alcançar a iluminação!
E as prateleiras sucedem-se e sucedem-se e sucedem-se. As pessoas como é comum ver-se nos supermercados habituais circulam por aqui e por ali. Há famílias, gente jovem, adolescentes, velhos, muitos velhos e sobretudo maduros de meia-idade. Uns depenicam aqui, outros acolá. Uns vão direitos ao lugar do costume porque só consomem daquela marca! Outros rondam, rondam indecisos. E é assim que uns entram e saem logo. Outros não. A maioria, porém, lê as instruções, faz imensas perguntas, procura inteirar-se das propriedades curativas e dos efeitos secundários. África e Ásia são as origens mais procuradas, mas mais as segundas que as primeiras. E se a embalagem prometer peace ou love – ou melhor ainda, peace and love! – a saída em larga escala está garantida. Mesmo que seja proveniente de regiões que nunca conheceram a paz, nem saibam o que é o amor! Uma coisa é certa: estão ali todas as religiões do mundo. E entre elas não são poucas as que prometem saber tudo sobre o outro! Estas são muito procuradas, quanto mais não seja pelo GPS made in Taiwan cuja voz angelical garante conhecer o Trilho do Céu!
Existem ainda estantes estranhas e outras horripilantes. Existe por exemplo a Estante do Manuseio da Cobra, que atrai homens e mulheres religiosos e muito puritanos, praticantes do manuseio de cascavéis como prova de pureza. (Apre! e se a cobra não souber contar as
três sílabas da palavra impuro?)
Existe um erro de marketing em que nunca se incorre no supermercado das religiões: antes que se publicite em larguíssima escala uma nova religião, já ela está nas prateleiras pronta a consumir e a repor em caso de repetição do dia 1 de Maio!
Pude reparar que são raros os grupos e mais rara a frequência de famílias. Então, as compostas por mais de duas gerações são raríssimas! Porém, elas existem e por vezes frequentam variadas prateleiras. Quando assim é, nem atendem às incompatibilidades anunciadas nas bulas.
Lá ao fundo, discreta e um pouco na sombra por causa de uma lâmpada que nenhum trabalhador do supermercado conserta, existe uma prateleira onde poucos ousam ir. A distância é enorme e o ambiente parece mal frequentado. Umas velhinhas distribuem chã, mantas e bolachas a desdentados pouco recomendáveis. A custo se acede ao perímetro daquela religião e quando lá se chega tem de evitar-se os projécteis das pombas e vê-se que as mesmas velhinhas são quem no culto lêem as leituras das Escrituras. (E que o sacristão é quase sempre um coxo, ou um meio cego, ou um meio casmurro qualquer e de primeira apanha!) Têm peregrinações a que poucos ligam, um mandamento da caridade que já quase só os arrumadores de carros apreciam. Os seus ministros andam sonolentos e pastosos nas prédicas. Apesar de o serem do Deus vivo! Rara é a estante que não possui uma cruz enorme e frequentemente 14 catorze quadros encimados por mais uma cruz!
Não é fácil chegar ali. Aquela prateleira algo desengonçada e tão alta, quase sempre vazia, obriga um longo esforço de aproximação. E tantas vezes aquele vazio meio sombrio sabe mais a frio que a calor apetecido! Quantas vezes para se lá chegar é necessário abandonar pesos e contrapesos, suspeitas ingénuas e construções preconceituosas que carregamos ao longo da vida! Quantas vezes…

Talvez não seja o lugar mais bonito do supermercado. Mas é ali que muitos vão ao desengano e tantos muitos porque já não têm outra esperança. Mas é provável vir-se de lá renovado pelo Gratuito, esse que prometeu enviar-nos o Espírito que ensinaria toda a verdade.

[20 de Maio de 2012]

Notas de Roda-pé

Obrigado, Padre Camilo!

Lembro-me bem. Foi no dia 8 de Setembro de 1991. Foi a única vez que li em público uma página em latim! Foi em Úbeda, no lugar onde morreu São João da Cruz, numa Missa presidida pelo Padre Camilo Maccise. Ali li a fórmula da Profissão Religiosa, renovando a minha vinculação à família carmelitana, que mais uma vez me abria os braços.
Estranhamente lembro-me bem, logo eu que não lembro quase nada. Lembro-me de ter dormido uma semana no chão duma escola pública, lembro-me de ter trepado de Beas de Segura ao lugar onde outrora fora o Convento dos Mártires o percurso de São João da Cruz para vir atender as Carmelitas de Beas. Lembro-me de muitas coisas mais, da Missa, da homilia… Enfim, e do P. Camilo, pequenino, sereno e sempre a sorrir.
Hei-de recordá-lo sempre.
Por estes dias o P. Camilo Maccise morreu. Foi no dia 16 de Março. A notícia era esperada, mas surpreende sempre.
Há laços que nos laçam a pessoas que nem sabemos bem porquê. Eu era miúdo, ele Geral da Ordem. Sei que falámos e até tenho uma foto. É do estilo circunstancial, como a dos jogadores de futebol à saída do treino. Mas para mim é mais que isso. Ele era ali meu pai, porque Prior Geral da Ordem!
Apesar de pequenino era um homem grande, que dispensou sempre pôr-se em bicos de pés. E assim ficava maior ainda. Depois de Úbeda nunca mais nos vimos e ele nem saberia que eu existia – apesar da sua mastodôntica memória. Eu, porém, fui acompanhando-o de longe com o coração mais que com o olhar.
Agora que morreu quero declarar que a sua vida me tocou. E Deus me tocou através dela
Podem ver o vídeo que os Carmelitas do México tornaram público e perceberão porquê. É um testemunho simples, mas tem a força de sempre, apesar de retratar um homem marcado por doença grave. O P. Camilo é ali um homem ferido e cansado, mas sereno e cheio de confiança. O que ali mais me marca é o tom de familiaridade: parece que fala para mim, e fala, mas fala também para outros muitos irmãos, em muitíssimos e diferentíssimos lugares. Eu senti-me especialmente tocado e envolvido pelo testemunho da sua voz cheia de paz, convocando a nossa família para o redor do seu olhar de patriarca, a fim de confiar-nos a secreta alegria de ter sido chamado por Deus para uma Ordem de fraternidade, de amor e de paz.
Nestes tempos tão sombrios, que nos mostram duramente como o decurso da existência é sempre um rumo incerto por desvelar, tocou-me ainda a serenidade com que nos confiava, que também ele descobrira que o segredo da vida é ser-se guiado por Deus, deixar-se levar pela sua mão, por caminhos tantas vezes desconhecidos. Porque, afinal, os caminhos de Deus não são os nossos caminhos, as nossas ideias não são as Suas ideias; e quanta sabedoria há em descobri-lo e aceitá-lo! Enfim, gostamos todos tanto de levar o volante nas mãos, que, surpreendentemente, nos estranhamos que Deus nos dê a sua e nos guie!
Escutei o seu textemunho como quem escuta um testamento. Nele é como se nos dissesse sou um homem de Deus!; eu, por pura gratuidade de Deus, vi a Deus nos caminhos mais improváveis da vida! Sabemos que sim. Tinham por isso mais brilho aquelas palavras finais que nos dirigiu desde o seu leito. Apreciei ouvi-lo unir Bíblia e tradição, Palavra de Deus e palavra de nossos Santos. Sim, todos nós aprendemos a caminhar caminhando, mas, sobretudo, vendo os mais velhos caminhar. As referências que fez a uma e a outra palavras guardá-las-ei para sempre. E a memória da sua vida também, porque é memória de amizade com Deus.
O Padre Camilo era mexicano de ascendência libanesa. Veio à luz no barco em que a sua família fugia do Líbano para o México, em busca de melhores dias. Talvez isso tenha feito dele um homem de luz em todos os caminhos, como São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus, nuestros padres, que ele sempre recordava juntos. Talvez isso o constitua um novo Moisés que mais além havemos de reconhecer melhor, que mais além havemos de contemplar melhor, para melhor perceber que os caminhos de Deus são sempre misericórdia e fidelidade. Nascido em alto mar era homem de voz delicada e firme, afoita e sem medo, porque, afinal, tudo concorre para o bem dos que amam a Deus, «até mesmo o pecado»! Filho de Nossa Senhora do Carmo, A Estrela do Mar, soube até ao fim fazer o percurso da verdade, porque «o que não está nos nossos planos encontra-se nos planos de Deus»!
Ah, como era ele um farol de luz ténue e firme, por entre os nevoeiros de tantas vidas!
Obrigado, P. Camilo, mais uma vez, pela tua voz cansada e agradecida. Sinceramente agradecida, como quem recebeu em seu regaço a medida abastada, calcada e cheia. Descansa agora em paz, tu, que, como alguém disse, nunca deixaste que junto de ti alguém ficasse pequenino.
Descansa em paz, amém!


 [26 de Março de 2012]

Notas de Roda-pé


É preciso imaginação!


Como um rio entrando no mar continuo o texto anterior. Vimos ali o confronto das atitudes de entre quem arrosta as responsabilidades e assume os compromissos, normalmente vencedor; e quem se esgueira como uma enguia e os evita, como perdedor. A referência é sempre ao campo da fé, embora ali o exemplo viesse de outros campos.
Na fé como na vida e em tudo havemos de lutar, como hoje se diz, por aquilo que acreditamos, e defender o irmão que nos coube por companheiro de caminho. Tenho consciência que nem sempre é fácil. Aliás, a sementeira do campo da fé nunca foi fácil. Hoje, talvez, ainda menos fácil. Talvez por isso o assunto que hoje vos trago mais me conforta. Fala dos perdedores que fazem da derrota um trampolim. Para esses como para os apóstolos as derrotas nunca o são.
(Declaração de interesses: Não confio em vitórias anunciadas.)
Vamos a um exemplo. Conheci hoje um padre mais velho que eu. Passou fome. Nos seus primeiros tempos de cura comeu o pão amargo que a fome (não) coze. Para sobreviver, entre outros ofícios, andou a vender livros de porta em porta: É preciso imaginação! Vender livros em terra que não se dava às letras como então não se cedia espaço às silvas!
Acredito nele, pois não tem por que mentir.
Imagino aquele padre de lábio fino a vender livros de porta em porta! Imagino o quanto a necessidade lhe aguçou o verbo, lhe burilou o adjectivo, lhe firmou o essencial. Imagino-o hoje, padre, pregador, apóstolo: quanto cresceu só porque, sendo sacerdote, ganhou a vida com o suor e a argúcia de humilde vendedor de livros a cabouqueiros iletrados!
É preciso coragem!
Tem o seu quê a história, porque, afinal, ela vem ao encontro do que li algures. Li sem pretensão um texto banal. Daqueles que se lêem desprendidamente, mas com a quase certeza de que um dia a leitura servirá para algo. Li e aprendi que para vendedor não serve qualquer um, sobretudo não serve alguém de nervo mole. Veja a cena: O vendedor vai subindo a rua – para mais, subindo! Está convencido que o produto que tem para vender é bom; tem, porém, de tocar às campainhas, apresentá-lo e vendê-lo a quem não precisa dele! Com que forças resistirá ele quando lhe disserem não, não não quero, desculpe mas não quero? Como ficaria você se uma e outra vez e uma terceira lhe repetissem: não!?
Dizem os gurus de vendas que a venda se inicia exactamente quando se recebe o não. Que raramente quem vende, sobretudo em venda ambulante, a primeira coisa que vê ou ouve da putativa parte compradora é um sorriso e um sim. Raramente. É mais fácil corresponderem-lhe com um bater da porta na cara, ou um berro mal grunhido, um fastio não disfarçado, um resmungo ensonado. Quem não deprimiria com tantos e tão repetidos nãos?
Não é palavra fundamental na venda. Já agora, na evangelização também. É disso que quero falar. Para os vendedores a oportunidade de negócio começa quando o cliente diz não. Começa aí, por assim dizer, a estratégia de venda. Ou seja, um apóstolo deverá antecipadamente saber que a primeira resposta ao seu trabalho evangélico é não. E depois do primeiro poderá vir o segundo, pelo que está proibido de desistir. Quem percorre os caminhos com o Credo na boca e o Evangelho no coração deverá saber que por mais custoso que seja o caminho e por mais duro que seja o anúncio, quem o ouve não está preocupado com o seu cansaço ou abatimento, nem à espera do seu anúncio, isto é, do seu produto!
Qualquer vendedor ambulante sabe que jamais é esperado ou desejado. E quando abrir a boca lha hão-de querer fechar. Será interessante, portanto, percorrer as condições do bom vendedor, ou apóstolo, como aqui nos interessa:
O apóstolo deve sempre cogitar que o mercado está contra si, por maioria de razão em tempo de crise! O produto é bom, é certo, mas é abundante a má cara que o vai enfrentar. Ao ouvi-lo as pessoas não engancham na bondade da oferta, mas na dureza dos seus próprios problemas. Por isso, nem pense em deixar de sorrir quando lhe fizerem má cara. Não digo que deve auto-motivar-se, mas consciencializar-se de que o Evangelho é mesmo a boa notícia de que as pessoas necessitam;
Urge também ser-se abnegado. Quando o sol vai escaldante e alto é preciso subir à mais alta montanha, se é lá que se encontra quem nos possa ouvir. Ou o contrário. O apóstolo tem de andar e falar muito em contraciclo. Quando a maioria vai para a praia também ele vai para a praia, mas tem de deixar de lado os seus interesses para centrar-se nos de quem apenas veio para gozar o calor do sol e o azul do mar, e a quem ele deve anunciar. Fala, sim, e anuncia salvação, mas deve falar centrado nos problemas de quem não quer ouvir;
Se a oferta que o apóstolo apresenta não é desejada e ainda por cima leva rótulo de incomodidade, então urge que sejamos claros ao falar. Quem fala deve saber do que fala. Quem oferece Evangelho a quem tem de desapossar-se do que colide e até impede o florescer do Evangelho, deve falar claro sabendo como oferecer um tesouro que poucos, à primeira vista, se dispõem a reconhecer como tal;
Penúltima e a mais óbvia de todas: só se pode anunciar bem um produto que já se provou e do qual se gosta. Só a convicção pessoal pode convencer os demais. Como convenceremos se não estamos convencidos? De facto, se quero infundir uma certeza, tenho eu, primeiro, de estar convictamente firme e certo!;
A quinta estratégia é a de convencer que o produto além de bom tem boa assistência. Se acontecer a um bom o que acontece aos maus – que avarie – então deverei conciliar a oferta do produto com um bom serviço de apoio ao cliente, que ajudará a melhor rentabilizar o investimento. Todo o cliente precisa de acompanhamento, e um bom apóstolo tem de saber prever as dificuldades por que podem passar – ou estão a passar – os que lhe acolhem o testemunho sobre Jesus.
Falo isto por causa dos nossos jovens. Mas não só. São estratégias sábias, como aquela de Paulo que diz que devemos anunciar a tempo e a destempo. Porém, nunca me esqueço da muito oportuna que ele ensinou a Timóteo: evita o palavreado e com esses não percas tempo!

[18 de Janeiro de 2012]