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sexta-feira, 26 de julho de 2013

Notas de Roda-pé


Morcegos
Há uma piada passada entre dois sacerdotes, com o seguinte diálogo:
— Tenho na minha igreja uns morcegos, e não sei que lhes fazer...
— Fazer o quê?, diz o segundo.
— Não sei. Até a Equipa de Pastoral e a Fabriqueira fizeram de tudo.
— De tudo o quê?, insistia o segundo.
— Já tentámos de tudo para os espantar da igreja.
O outro rindo às gargalhadas, responde-lhe:
— Ó pá, é muito fácil. Dá-lhes o Crisma que tu vais ver!

Jovens
Não sei se a piada se percebe de imediato, mas ela fala simplesmente da ausência dos jovens na Igreja. Já passou à história aquele momento da Igreja em que todo o nascido nela entrava pela do Baptismo e por ela saía no dia do funeral. Já não é assim. Nem todos entram na Igreja, e dos que entram a maioria abandona-a na adolescência. Por aqui vão ficando até ao Crisma. Depois vão-se, desaparecem, esfumam-se. Parece que sentem alergia, e depois do Crisma...
Eu sei que a maioria ainda se diz Católico. E são-no, mas à sua maneira. Pessoalmente não vivo sossegado só porque cá fiquei, nem por verificar que o índice de Católicos é bastante alto. Não vivo sossegado, mas inquieto. Inquietam-me muito as muitas ovelhas vagueando por aí sem pastor, à mercê de lobos e de mercenários.
Voltemos aos jovens. As Jornadas Mundiais da Juventude são um ledo engano. Mas não são de desprezar. O que ali se vê não corresponde à vida das comunidades locais. Eu que participei em três sei o que são. São uma festa que eu vivi, quase delirante, enquanto jovem seminarista. São uma festa que eu vivi, cuidadoso e cauteloso, no início do meu sacerdócio. Mas quer-me parecer, que nem no antes nem no depois têm implicações imediatas. Pelo menos ao nível comunitário, porque tal vivência tem muito de pessoal e íntimo e isso não é tão fácil de medir.
Eis um grave problema pastoral. Os jovens fogem da Igreja para as celebrações do futebol e dos concertos, dos ralis e das discotecas. É ali que os perdemos. E quando, cansados, dali regressam, porque alguns sempre regressam, o trabalho de formação — pelo menos esse — está muito atrasado. (Sempre quero aqui contar que este ano só porque o Paris-Dakar foi anulado, eu tinha mais jovens na missa desse dia: os que em Lisboa iriam assistir à partida da prova quedaram-se por cá!)

Jesus jovem
Devo confessar a verdade: O que eu venho aqui falar com os leitores do Mensageiro é sobre Jesus. Jesus jovem. Onde pára o Jesus jovem? Porque não se vê? Este ver a que me refiro é o ver celebrativo (mais que o histórico). Quero eu dizer que a celebração litúrgica ajuda a enquadrar e formar a memória do discípulo que é cada um de nós. E o certo é que os jovens Católicos não vêem o jovem Jesus! Nem nas celebrações nem na história.
Ninguém vive sem modelos e sem mestres. (Agora também Lhe chamam Guru e Coach!) E como é bom, por exemplo, podermos celebrar o baptismo de alguém recordando o de Jesus, aquele momento inesquecível em que, saindo das águas do Jordão, viu o Espírito Santo e ouviu o Pai testemunhar o seu amor por Ele.
Explico-me melhor: a nossa referência maior é Jesus. Olhá-l’O e imitá-l’O é caminho seguro. Por isso a Igreja usa sabiamente a liturgia para enfocar em Jesus o nosso olhar e amor. É assim que aprendemos d’Ele, com Ele caminhamos e aprendemos a crescer.
Vamos aos factos: na Festa da Anunciação, nove meses antes do Nascimento, recordamos que Ele começou a ser humanado e que a nossa vida tem dignidade desde a sua concepção; na Festa do Natal celebramos o seu nascimento, óptima lição para os pais, familiares e amigos; na Festa da Sagrada Família é o olhar de toda a família, como família, que é convocado; na Festa do Santo Nome de Jesus (festa celebrada oito dias depois do Natal) recordamos a missão salvadora de Jesus e a verdade do nome de cada um de nós; na Festa da Epifania, somos todos, mas todos mesmo, de todas as idades, condições, religiões ou sem ela, somos todos convidados a adorar o Menino; na Festa da Apresentação a família é mais uma vez convocada, e também aqueles que desde a longa noite da história O esperam ver, como Simeão e Ana; no Baptismo, aos trinta anos, sentimo-nos convocados para como Ele assumir o papel de anunciadores da Boa Notícia.
Enfim, não há idade que não possa ir beber a Jesus. A vê-l’O humanado e aprender d’Ele, que é o Homem perfeito. Bem, há uma idade que O não vê: os jovens. Os jovens não O vêem jovem. A sua vida oculta em Nazaré deixou-nos sem relato que iluminasse a vida dos jovens. Depois que chega aos doze anos a vida de Jesus oculta-se e só volta aparecer três anos antes de morrer.
Conheço um convento que tem um Menino Jesus carpinteiro. Um jovem trabalhador. Gosto muito desse Menino Jesus. Os frades puseram-no mesmo à entrada do claustro, onde têm as suas celas. Entra-se e vê-se o jovem carpinteiro a trabalhar a madeira, com um mascoto no ar. Há ali uma mensagem: Vê-l’O dedicado a trabalhar, afadigado e comprometido com as obrigações da família e da sociedade. Jesus foi menino e jovem crente e um aprendiz, foi um mestre da Palavra e também um mestre carpinteiro a quem São José ensinou tudo o que sabia.
É disso que se trata: sabemos que o jovem Jesus foi um jovem fiel no caminho da fé, fiel no trabalho e na sociedade, mas não há um relato que no-lo diga explicitamente. O mais que sabemos, quero dizer, o mais que ouvimos, é o relato da sua peregrinação a Jerusalém, na Páscoa dos seus doze anos. Terminadas as festas os pais regressam e Ele ali fica, sentado entre os sábios a responder e a interrogar. Quando os pais O re-encontram, regressa. Regressa para continuar obediente e a crescer em estatura, sabedoria e graça. É esse o único, discreto e pouco empolgante modelo que temos para oferecer aos jovens: o modelo de adolescente obediente, dedicado, aprendiz em formação, fiel à família (e às coisas do Pai), fiel à fé judaica em que está inserido, crescendo no corpo e no espírito, em sabedoria e em graça, carinhoso para com os familiares, solícito para com o pai na sua morte, esteio para a mãe que fica viúva e certamente alegre com os companheiros, amigo das festarolas... E também preocupado com o seu futuro.
Convenhamos que não é tão pouco assim, mas o silêncio que se faz sobre a juventude de Jesus não os ajuda muito. Porém, naquela ocorrência dos doze anos e no escuro do longo silêncio da vida oculta, vemos, com um pouco de dificuldade, um belo programa de vida para os jovens, um programa que só ali se pode encontrar!

Máxima

Quem não quiser trabalhar, também não coma. (2 Tes 3:10)

Mínima


Também entre as panelas anda o Senhor. (S. Teresa de Jesus)

[21 de Janeiro de 2008]

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Notas de Roda-pé


Milagres
Os tempos vão difíceis. Os mares agitam-se. À nossa frente cavam-se vagas sobre vagas. Os abismos parecem comer-nos. O que não se ouve publicamente sussurra-se na intimidade, e traga-se no combate diário da rua. O dinheiro não chega, a contenção não estica, as dívidas crescem. O trabalho é para quem o trabalha, e esses — quase todos — vêm de fora; os empregos são para nós. O colega da secretária ao lado tosse, o outro reclama, o terceiro rezinga, o quarto barafusta por tudo e por nada (mais por nada), o do Sindicato dormita e nada vê (é o que me dizem, que eu não sou do Sindicato). O patrão quer o que é seu, liquidez. E verdadeiramente ainda não chegou o Inverno que sempre traz frios, humidades, chuvas, narizes vermelhos e entupidos, olhos inchados, cabeças a estoirar.
No meio de tudo isto a fé deveria serenar-nos, acalmar-nos as tempestades e os vendavais repentinos das iras e dos sonhos impossíveis. Deveria fortalecer-nos e robustecer-nos. Mas parece que agora já não se transmite nem se ensina paciência, mas exigência crua e o exercício do direito a rabiscar no Livro de Reclamações. Mesmo sem razão. Está bem de ver que os que têm fé seguem o caminho mais difícil, mais demarcado, mais exigente. E vemos como os outros. E sofremos como os outros. Na verdade, não se pode ter fé e ser-se depois bandoleiro e rezingão impenitente. A vida vai difícil para todos, até para quem não tem fé. Por isso, vamos pelo caminho da paciência, da confiança. E da esperança: procuremos ir sempre de bem para melhor.
Frequentemente os tempos difíceis empurram-nos para extremos, por um de dois caminhos: ou pelo da impaciência infértil, ou pelo da depressão inconsequente. E quando os sonhos de chumbo nos caem na cabeça, que fazer? E quando batemos contra o muro da realidade, que reclamar? Às vezes, quase sempre, reclama-se por milagre. Até os mais impenitentes dos não-crentes acabam reclamando-o . Estão no seu direito. Mas é nestas alturas que devemos fazer falar os sábios. O primeiro chama-se Gath Brooks e aparece cheio de razão nas últimas linhas deste texto. O segundo chama-se Einstein, e pelos vistos sabia mais coisas para além de ciência. Dizia: «Há duas maneiras de viver a vida; uma é como se nada fosse milagre, outra é como se tudo fosse milagre. Eu acredito no último.». Não podemos parar de acreditar. Porém, eu prefiro mais o que ensinava São João da Cruz: «É preferível sofrer por Cristo, que fazer milagres». Fazer, ou pedir. Ou já agora, declarar que tudo é milagre. Amar o que Ele amou; amar como Ele amou. Este continua a ser o nosso programa de vida. E não é por só olharmos para o céu que se vêm os milagres na terra. Ou, melhor dito: Não é olhando só para Ele que vemos os muitos milagres por fazer na vida de tantos pequeninos!

Sete coisas

O fenómeno da moda são os blogues. Como não sou sociólogo não poderei dizer se vamos atrasados, adiantados ou como o costume: assim assim. Esta noite o H. mandou-me um mail informando-me do seu novo blog. (Entretanto, tem outro de que eu me percebi sem dele me ter falado...) O título é uma coisa parecida com Eis-me aqui. No H. não me estranhou a referência. Fui ver. Ainda não tinha começado. Havia apenas uma breve declaração de interesses. Descobri então o outro e dei uma olhada. Percebi ali que entre os garotos blogueiros da Comunidade há um jogo; tipo — como eles dizem — tipo: 7 coisas em que sou bom, 7 coisas em que sou mau..., e por aí adiante.
O H. declara que a sexta coisa em que é bom é: «Rezar». Assim só, simplesmente. Rezar. Boa, H., pensei! Boa. É boa mesmo. Não pensei encontrar tal surpresa, mas encontrei. E na pessoa do H., como já disse, nem me estranhou.
Como estamos nos dias de Santa Teresa de Jesus, nossa mãe, lembrei-me do que ela ensina sobre a oração (registo só isto o ensinamento mais curto, para não complicar): «A oração é um diálogo de amigos, estando-se muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama». É isso mesmo, H., vai por esses blogues todos — e são tantos como as areias do mar! — e diz que gostas de rezar, que és mesmo bom a rezar. Oxalá todos sejam teus amigos, que quem não sabe de amigos e de amizades não sabe de oração. Pelo menos ao jeito de Teresa, claro. Vai, que haja muitos amigos na tua vida. Junta-te a eles, para que eles façam de ti um mestre da arte de rezar. Força, junta amigos que saibam rezar. E se não souberem, pelo menos que saibam de amizade. Depois será fácil rezar. Se há tantos que se juntam para dizer e fazer o mal, por que não haveríamos nós de querer o bem e lutar por ele juntamente com os amigos que ajuntamos? É por isso, H., que eu te digo: Vá, força, faz muitos amigos, escreve em todos os blogues e não tenhas vergonha de dizer — nem que seja em sexto lugar — que sabes rezar. Eu julgo que sim, que é fácil, pois conheço muitos dos teus amigos e o apreço que têm por ti. Ah! Só mais uma coisa e com ela termino. Depois da amizade que faz bem à oração (e ao coração) a nossa Santa Madre pedia só uma outra coisa: «Só vos peço uma coisa: que O olheis!». E é claro. E é justo. Como poderíamos gostar de rezar e de ter amigos se não incluíssemos o melhor Amigo no nosso círculo de amigos? Se não gostássemos d’Ele. Ou se gostássemos sem gostar de O olhar? Sim, H., sê amigo forte de Jesus! E olha-O!
(Quando acabei de escrever este breve apontamento já era outro dia. Dei outra olhada ao outro blog do H. e pude verificar que escrevera lá o Pater Noster.)

Máxima

Agradeço ao bom Deus pelas bênçãos que tem concedido à minha vida, algumas das maiores dádivas de Deus são orações não atendidas. (Gath Brooks, Cantor norte-americano de música country)

Mínima


Tudo o que é verdadeiro, venha donde vier, procede do Espírito Santo. (S. Tomás de Aquino)

[19 de Novembro de 2007]

domingo, 21 de julho de 2013

Notas de Roda-pé

Sinais

Há sinais e sinais. Para tudo são precisos. Não passamos sem eles. Dos caminhos às igrejas; dos bancos das escolas aos hospitais; do mundo do campo à indústria e às universidades. Eles estão presentes, falam-nos, orientam, informam, movem, comovem. Às vezes são discretos, outros nem por isso. Aqui vão alguns que eu vi recentemente.
Por estes dias ou os olhos se me abriram mais ou vi o que não costumo ver. Na verdade, fiz mais quilómetros que os que costumo fazer. E talvez por isso vi mais. Que sinais vi eu para que aqui fale deles?
Vi uma grande faixa atravessada dum lado a outro duma estrada anunciando e promovendo um encontro paroquial numa praia. Não me espantaria nada nem dela aqui falaria se a faixa falasse e anunciasse outras coisas. Mas arregimentava para um convívio paroquial. Numa estrada onde passam paroquianos de outras paróquias e nem todas católicas. Ora, perguntei-me eu e sigo perguntando-me, os convívios paroquiais anunciam-se a todos ou também ao estranhos? Anunciam-se aos de dentro — uma paróquia por muito aberta que seja é sempre um círculo fechado! — ou a todos? Bem, eu compreendo que algumas ovelhas vivam mais ou menos desgarradas, e que por força da lei do desgarro possam não ouvir a voz do pastor quando ele fala para o redil. Posso compreender o dinamismo da comissão organizadora querendo apelar a que ninguém falte. Posso também compreender que se convoquem aqueles que não são Igreja. Mas aquele acto de família paroquial não pode ser para mim. Ou para outros que como eu leram a mensagem. Poderá? Será que eu poderei aparecer na praia da Apúlia no dia certo? São sinais. Apenas sinais. É pelo menos sinal de que nem tudo se vive dentro da igreja.
Seguindo viagem vi mais à frente, já noutra cidade — e depois também na minha —, muitas bandeiras portuguesas. Ainda vi uma rua cheia delas. Estavam todas amarelecidas, debotadas, desfiadas, rasgadas. Mas que feio, pensei! Então o povo que ergueu a Bandeira porque o Seleccionador pediu, não terá agora vergonha de exibir o símbolo nacional tão degradado e deprimente. Eu sei que é um sinal. Apenas um sinal. Mas seria escusado proclamarmos tão declaradamente a proverbial depressão nacional. Ou só nos animamos quando há futebol? Ou as únicas grandes causas que nos movem são o futebol e... mais nenhuma? Ou não estamos nada deprimidos e queremos é enganá-los e por isso deixamos lá fora a Bandeira num falso esquecimento? Mas poderá ela perder assim o seu brilho? Poderemos nós ter tão pouco orgulho nacional ao ponto de não sabermos erguer a nossa Bandeira?
Será? Não sei. Mas que é um sinal, é. E de desprestígio.
E vi outro sinal. Já não é a primeira vez que saindo da auto-estrada me deparo em certo viaduto com uma inscrição: Jesus é o Senhor! E agora digo eu: é sim senhor! Não sei quem é o autor da façanha. Mas sei que o Senhor foi recentemente avivado com um amarelo forte, para não deixar dúvidas a ninguém. A mim não deixou. Quem quer que por ali passe — e passam muitos — e saiba português ou não vá a falar ao telemóvel, leva com a mensagem nos olhos: Jesus é o Senhor.
Estamos em tempos onde tudo o que cheire a religião é varrido para debaixo do tapete. Isto, porém, ainda não conseguiram. Parece-me acontecer aqui aquela história da manta curta, que para cobrir os ombros descobre os pés. Isto é, quanto mais remetem a religião para a Sacristia, mais ela estala noutros lugares bem visíveis e inesperados. Escondem-na no recato e ela manifesta-se por cima dos telhados. Resguardam-na em armazéns (ou museus) e ela desponta fresca e à janela.
Pode ser até que quem ali gritou, isto é, ali escreveu, não afirme a fé publicamente. Pode ser. Pode ser que prefira ficar anónimo, que não seja uma testemunha valente. Mas algo passou em alguém que teve necessidade de nos mostrar naquilo que acredita.
Um jornal diário fala da abertura duma esplanada no Porto. Traz um fotografia a ilustrar. E é tão bem tirada a foto que até traz um teatro onde decorre uma peça sobre Jesus Cristo. A peça está anunciada na frontaria e o nome, Jesus Cristo, aparece ali bem exibido. Não sei o que levou a reanimar tal musical sobre Jesus quarenta anos depois dele ter sido um êxito mundial. Sei sim, mais uma vez, que se não O procuramos nas igrejas, Ele surpreende-nos nas praças, nos teatros e nas esplanadas. Se não Lhe cantamos nos templos e santuários, Ele aparece a cantar nos palcos. Se não O saudamos nos sacrários, Ele faz-nos vénias desde o palco sugerindo-nos as palmas.
É assim. São quase tudo sinais imprevistos. Sinais que talvez  não devessem aparecer. Sinais que outros desejariam obnubilados ou pelo menos  discretos, e que, afinal, nos aparecem por cima dos telhados e nos assaltam as vistas e os olhos.
São sinais, simplesmente sinais, senhores.
(O Padre Rui Osório, no JN de hoje, Domingo, 19 de Agosto, fala de outros sinais similares, os do mundo do futebol.)

Mariasela

Até o nome é estranho. A primeira vez que ouvi falar dela estranhei. Cheirou-me a marketing barato. Depois ouvi-a numa soberba conversa que só o Loco de la Colina sabia fazer na TVE. E a coisa pareceu-me consistente. Perguntei a amigos meus e, sim, eles confirmam e sossegam a minha surpresa.
Mariasela Álvarez é cidadã da República Dominicana, é rica e bela. É uma mulher de sucesso. Foi Miss Mundo em 1982. Os pais eram professores universitários. Não viviam a fé, mas falavam dela e dos seus valores à filha. Frequentou alguns grupos juvenis católicos. Porém, na juventude ausentou-se da fé. Hoje é arquitecta e uma das apresentadoras da rádio e tv espanholas mais apreciadas. Mas o que aconteceu pelo meio para que aqui se fale dela? Converteu-se.
Um dia, em 2002, participou num retiro. Faltava-lhe algo. Sossego, paz, serenidade. Algo que a preenche-se. Queria algo firme e alegre, pois tinha, sem saber, a fé adormecida. E ela despertou. Não foi nada de muito extraordinário, nem caiu do cavalo como São Paulo. Despertou, simplesmente.
Nas entrevistas que concedia defendia sempre os valores humanistas, mas nunca se dizia cristã. Pudera, a fé dormitava! Pudera, tinha medo que a seguir a audiência não sintonizasse com o seu programa!
Um dia casou pelo civil. Passados anos o marido propôs que casassem pela Igreja. Antes quiseram fazer um retiro: três dias em silêncio e em isolamento total! Foi aí que se converteu e sentiu vergonha da sua ausência. Depois falou no seu programa da sua fé, deixou o coração falar. Simplesmente. Foi o programa mais visto.
Num congresso das televisões de inspiração cristã disse simplesmente: «Deus tinha-me dado tantos dons e eu nunca Lhe tinha dado nada, nem os tinha usado para Ele!»
É isso que faz de Marisela (e muitos outros!) tão especial: usa os seus dons para os devolver a Quem lhos deu!

Máxima

Depressa me dei conta de que a melhor forma de não desanimar e continuar a viver é esquecer o próprio sofrimento e pensar nos outros, (B. Marcel Callo, mártir do Nazismo)

Mínima

Tende os vossos olhos fixos em Jesus. (Heb 12:2)

[12 de Agosto de 2007]


sexta-feira, 19 de julho de 2013

Notas de Roda-pé

Duas pessoas

Eu não conheço Beth Ditto. Em boa verdade nunca me foi apresentada, como diria o outro. Sei que é cantora. Não sei, porém, o que canta. Creio que as suas canções não frequentam a estação de rádio por onde por vezes me perco. Sei que defende valores que não são os meus, com os quais eu não sintonizo. É por isso que conhecê-la ou não (ou à sua música) me é igual. Indiferente, quero eu dizer. O mesmo será para ela.
Mas, pronto. A imprensa fala dela e eu sei que a senhora existe, que é uma mulher ácida, daquelas que morde a mão que lhe dá o pão. É isso. É uma mulher tão crítica (ou revoltada?) que não se inibe de criticar o seu público, aquele que lhe compra os discos e que vai aos seus concertos. Dizem que ela é uma jovem mulher que sabe quem é. (E que sempre o soube). Ela não muda, o mundo à sua volta é que muda ou tem de mudar. Por isso quando actua em concertos está tão segura de si que não se preocupa que não gostem da sua música e da sua performance. É descarada, a mulher: «Não me incomoda assim tanto que as pessoas pareçam entediadas. Toco para as duas pessoas na multidão que estão a divertir-se e a prestar atenção.»
Ora aí está uma mulher de convicções. E até de fugas, talvez. Se houver duas pessoas que gostem, ela canta para elas. Se os restantes a desprezarem, serão desprezados por ela. Mais, ela confia que existam pelo menos duas que gostem da sua música. É isso que a move. É pelo menos por isso que ela canta.
Viremos isto como me convém. Pergunto-me quantos de nós, na nossa banda, temos uma disponibilidade e um carinho assim pelo nosso público para continuar tocando apenas para esses dois que permanecem atentos, que mostram interesse, que parecem ir dar fruto. Confesso que desanimo face ao tédio, ao desinteresse, à falta de garra do público. E em boa verdade, costumo ter mais que dois ou três animados e interessados. Mas até apenas aqueles dois que se deixam abater pelo fastio me desanimam.
Se alguma vez miss Ditto me for apresentada eu agradecer-lhe-ei esta lição de vida. Afinal de contas eu tenho melhor mensagem que a dela, mas por vezes não tenho a garra e o convencimento dela.
Embora prometa que vá aprender.

Nadir

O senhor Nadir tem quase 90 anos e um cara de menino, de menino traquina, apesar da barbinha que ostenta. Ele que me perdoe se a afirmação não é um elogio. Mas aqueles olhitos e a cara miúda falam-me dum catraio extasiado com uma tarde de Verão, sem escola e passeada (ou saltada, ou saltibancada) ao ar livre.
É a segunda ou terceira vez que ouço falar dele. A primeira foi num documentário do Canal 2 em que vi uma tela muito enigmática e geométrica que afinal, depois de lhe ser sobreposta uma fotografia, mais não era que uma praça de Lisboa.
Fiquei curioso com o homem.
Agora está no Porto, na Galeria do Jornal de Notícias e talvez eu passe por lá. Para decifrar a sua pintura talvez tivesse que conhecer a sua geografia e a peregrinação da sua vida. Mas irei só para ver pedaços de cidades que o não são, que são simples telas. Embora mais que telas pintadas, claro. São linhas muito puras, quase matemática. São mapas de vidas que permanentemente se reencontram na paleta e brotam dos pincéis do pintor.
No JN de 29 de Junho, p.p., vinha uma entrevista sua. Retiro dela duas coisas: uma, o nome Nadir foi sugerido ao pai — que ia pachorramente a caminho do Registo Civil; outros tempos!, outros tempos! — por um amigo cigano. Duas, a sua pintura não é tanto de inspiração mas fruto do trabalho persistente, aturado, sujo, reclamado, insistido, cuidado. Nã, nada disso. Os pintores não pintam de smoking. «Rebolam muito pelo chão», até deveriam ter um espaço «onde pudessem ir agonizando» à espera de melhores dias, de melhores horas, de melhores soluções. Diz ele. De melhores linhas. Digo eu.
O homem leva esta coisa do trabalho tão a peito, que, considera, um quadro jamais é uma tarefa terminada. Concluída. Encerrada.
Estou mesmo a vê-lo a ver um quadro antigo seu e a ficar com formigas nos dedos. A vê-lo cheio de imperfeições a exigirem um retoque, um repinte, uma melhoria, um aperfeiçoamento. Sim, estou mesmo a ver o ciganito — que me perdoe o mestre! — reguila, atrevido, irrequieto, entrando pela casa dum amigo e logo preso a um quadro seu. E a dizer: «Hummmm! Estas linhas deveriam ter sido prolongadas, estes contrastes avivados. Sim, não está mal. Mas poderia ficar melhor.» E, então, fazendo juz à viveza do raciocínio e do olhar juvenil, à perspicácia que só o autor pode ter, ele vai à algibeira e saca dum pincel sempre pronto e conclui por ora — só por ora, claro! — a tela inacabada. Que inacabada fica. Como é óbvio.
Espantosa ideia a do Mestre Inacabado. Como deve sofrer só por que tem que vender coisas inacabadas, que lhe fogem do alcance e do penúltimo remate final.
Sim. Pego agora na ideia e viro-a para mim. E dou comigo a ler-me os pensamentos. É isto mesmo que somos, telas (ou esculturas) inacabadas pelo Criador. Histórias sem fim à vista. Histórias com fim previsto e escrito, mas prolongando-se sempre para mais além do além que nos tocou viver. Para mais além do que conseguimos aperfeiçoar, concluir.
É bem verdade. Somos inacabados, nada é ainda perfeito em nós. Ai de nós se a Graça do Mestre Ciganito — perdoe-se-me a ousadia, meu Deus! — não nos for trabalhando, limando, retocando, completando, aperfeiçoando. Sim, meu Deus. É bem verdade. As tuas mãos não param desde o início da criação. Não param de me moldar, de moldar o meu barro tosco, o meu barro seco, o meu barro áspero, resistente, bruto. Que não parem, pois. Que não parem, nunca. Que não parem, jamais. Jamais.
Visita-me, Senhor. Entra, por favor em minha casa. Contempla a minha vida, vê o quadro das minhas imperfeições e inacabamentos, repara como estropiei o que me entregaste. Traz um pouco de água que amacie o meu barro, um pouco de Espírito Santo que me sacie por dentro, que inunde as minhas resistências, que afogue os meus defeitos. Que afague as minhas feridas e inexistências. Afaga-me com os teus dedos, completa-me um pouco mais.
Não te canses, Senhor.

Máxima

Nós semeamos as sementes que um dia crescerão. Semeamos as sementes e regamos as sementes, porque sabemos que elas guardam o futuro como promessa. Pode acontecer que não vejamos os frutos. [...] Pode acontecer que jamais vejamos os resultados finais, mas há uma diferença entre o mestre de obras e o operário. Nós somos operários, não mestre de obras. Nós apenas somos ministros dos Messias (Mons. Oscar Romero).

Mínima

O Carmo é uma ordem de Maria, sob a protecção de Maria, que propaga o culto a Maria (S. Rafael Kalinowski).


[8 de Julho de 2007]

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Notas de Roda-pé


Sondagem
Seis anos depois uma revista francesa repetiu uma espécie de sondagem sobre a oração. Eis alguns dados verificados: 1) Não se modificou a percentagem dos que afirmam rezar ou meditar: 50%. 2) Destes 57% são mulheres; e dentre elas 68%, têm 65 anos ou mais. 3) Na faixa etária dos 18-24 anos, 65% declara jamais rezar ou meditar. 4) Dos que rezam 89% fazem-no sozinhos; e 10% todos os dias; dos que rezam todos os dias, 11% fazem-no em grupo ou em família. 5) 59% dirige a sua oração a Deus; 29% a Nossa Senhora; Cristo fica-se por umas migalhas.
Muito mais li, mas não muito muito mais. Não sei se o que aqui fica dito serve para a realidade portuguesa. Sem dados, atrevo-me a dizer que não totalmente. Mas...
Registo duas ou três notas que marcam a oração dos católicos franceses. Um em cada dois afirma rezar, o que ainda assim é uma percentagem alta. A oração é portanto um valor seguro, sobretudo se se tiver em conta que se não subiu também não baixou. Estando sujeita a tantas vicissitudes, admirei-me que a percentagem fosse tão alta.
A oração de que se fala é sobretudo um acto privado e individual (89% afirma rezar sozinho!), no recato da casa. A oração comunitária é frequentemente mais incómoda e provocadora; os ritmos de vida são intensos: parece que se quer viver duas ou três vidas numa. Se rezar poderá não ser muito apelativo, rezar em comum pode resultar muito complicado. E, sobretudo, a meu ver, na oração vai cada vez mais falhando a existência duma gramática comum, o que gera um fenómeno do género: eu sei rezar, mas talvez já não saiba rezar como rezam a minha mãe ou a minha avó. Logo não consigo rezar com, pelo que, ao menos será melhor rezar sozinho.
Os jovens não rezam ou melhor, quase não rezam: 65% não reza! E das duas uma ou não rezam mesmo, nem mesmo individualmente ou encontraram outras formas de rezar, ditas menos oficiais ou reconhecidas. A contemplação do belo, a generosidade e a amizade, a prática do bem e o gosto pelo diálogo, a ânsia duma sociedade mais justa e a opção pela defesa da natureza poderiam ser reconhecidas como formas de oração e a sê-lo, estou certo, diminuiriam os que afirmam não rezar.
Mas o mais surpreendente é que no ano de 2001, metade dos inquiridos dizia rezar em actos públicos (casamentos, baptizados e enterros) mas agora só um pouco mais de um quarto o faz, o que quer dizer que o grande lugar do culto é mesmo o coração de cada um.
Pergunto-me portanto, como nos reconheceremos no futuro? Em que lugares nos encontraremos? Que gestos comuns nos identificarão? Como nos configuraremos se não existirmos como povo?


Mudança
Porque sou carmelita há um motivo bíblico que de quando em vez me prende especialmente a atenção: é o rapto de Elias. Segundo a narrativa bíblica, no fim da sua cansativa vida o Profeta foi elevado ao Céu por um inesperado carro de fogo. São sempre engenhosas e grandiosas as telas que representam esta cena que muito gosto de contemplar. Conheço, porém, uma igreja que tem o mesmo profeta com uma espada de fogo na mão direita e na outra uma casa, que é como quem diz o Profeta é pai do Carmo. E é. O seu gosto ousado pela solidão com Deus inspira a nossa vida e move a barca da nossa existência.
Há tempos, folheando mais uma vez uma revista dominical dei de caras com uma imagem do Santo Profeta numa igreja inglesa. Não foi nem a espada de fogo, nem o carro de fogo, nem os cavalos de fogo, nem a casa na mão do Profeta o que me surpreendeu. Não, nada disso. O que me surpreendeu foi um atleta em voo de rappel rasante à cara da imagem! Sim, isso mesmo! Os templos de Inglaterra são agora ginásios, cafés, barbearias e até pocilgas. Pensar que ali, em França ou em Portugal tantos se santificaram pela oração e pela penitência naqueles espaços sagrados, e hoje eles apenas servem para o lazer!
Nem sei que diga! Nem sei como as imagens não choram ou fecham os olhos!
Mas já nada me admira. Se os jovens não rezam; e se os que rezam rezam sozinhos e em casa, obviamente não precisam de templos nem de espaços comuns. Basta-lhes o apartamento. E nele um altarzinho ou um ícone. Só para eles. E depois, quem poderá suportar os encargos de conservação dos templos antigos? As empresas, claro! Sim. Ao menos que não os arrasem, que fiquem ali como sentinelas e testemunhas de um tempo que parece ter passado e dum maneira de ser que não deveria perder-se. Porque se se perde todos perdemos, não apenas a Igreja.

Filhos

Brad é um Adónis, Angelina uma Diana. Brad é Brad Pitt e Angelina é Angelina Jolie. São um dos casais mais badalados, quer dizer falados e observados, de Hollywood. O que não fazem e o que fazem é diligentemente escrutinado, interpretado, imitado.
Sigo-os também eu há já algum tempo. Olho-os por causa dos filhos, que são cinco. Angelina tem 31 anos e Brad talvez um pouco mais. Acho muito curiosa esta família cuja vida pervive para além dela, nos jornais e na imprensa em geral.
Curiosa família esta a destes famosos.
Os filhos chamam-se: Maddox (do Camboja, 6 anos), Zahara (da Etiópia, 2 anos), Shilon (dos EUA, 9 meses), Pax Thien Jolie (Vietname, 3 anos e meio), Hsiao Kai-wan (Tailândia, 4 anos). Neste elenco da prole há logo qualquer coisa que não bate certo. Para já os nomes não dizem com nada, parecem tirados dos créditos finais de um qualquer filme. Depois a sequência das idades é mais que confusa. A seguir, só a do meio é que é filha de ambos, os outros são todos adoptados; por fim, tantos filhos, tantas nações e tantas raças!
A mãe Angelina é Embaixadora da Boa Vontade da Unicef. Tem como missão agitar as consciências adormecidas em favor dos pobres. Aonde vai leva câmaras e televisões consigo para denunciar a pobreza, muita dela provocada pelos ricos, muita dela sanável com os despejos dos ocidentais. É uma tarefa para uma mulher com a garra de Lara Croft.
Eu espero que a adopção daqueles meninos e meninas, não seja apenas um golpe publicitário e mais um gesto egoísta daquelas rutilantes estrelas de cinema.
Não me preocupa o bem-estar das crianças. Preocupa-me que, talvez por que os pais adoptivos sejam famosos, se torne mais fácil adoptar crianças. E mais do que criar uma família vinculada pela força que o sangue sempre tem (tê-la iam de outra maneira as crianças?, não sabemos...) geraram um Sociedade das Nações dentro de portas. Podem aquelas crianças ter de tudo, e até de muito mais do que teriam nas origens. Talvez nada lhes falte. Mas será lícito desenraizá-las, transplantá-las, como se uma família pudesse ser um jardim botânico? Não somos também o que foram os nossos antes de nós? Não somos também as tradições e preconceitos, língua e sonhos, fronteiras, desejos e anseios que nos chegam do antanho pelo combóio da história familiar? Estará isso ali garantido?
Angelina acaba de informar a imprensa que abandona o cinema para se dedicar à família. Ainda bem. Mas ainda assim é muito pouco.

Máxima
O sábio cristão Orígenes, fala assim sobre a vivência da Páscoa: «Quem compreende que Cristo, nossa Páscoa, foi imolado e que nós devemos celebrar a festa comendo a carne da Palavra, esse está sempre a celebrar a Páscoa, que significa «sacrifício para a passagem», pois está permanentemente a passar das coisas da vida para Deus, e a caminhar depressa para a cidade de Deus.»

Mínima

Ide avisar os meus irmãos... (Mateus 28:20)

[20 Abril de 2007]

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Notas de Roda-pé


Sinos
O meu amigo Padre Moura, Pároco de Sanguedo, Vila da Feira, é um homem curioso. Digo-o porque o conheço já de outras curiosas andanças. O Padre Moura decidiu referendar a compra de um carrilhão de 23 sinos para a Paróquia. O Povo reunido em assembleia, julgo que a eucarística mas não tenho a certeza, mostraria um de dois cartões ao assunto, o verde ou o vermelho, e a decisão seria tomada.
Creio que tão litúrgico referendo já teve lugar. Se teve não sei o resultado. Para mim basta que o tema e o referendo tenham sido propostos. E tê-lo sido num tempo nada meigo para com os sinos.
Nos tempos passados em que éramos mais rurais, as comunidades orientavam-se pelos toques e sinais dos sinos. Hoje não. Não precisamos de sinos para saber as horas. Hoje temos aparelhinhos e aparelhómetros vários para medir o tempo, embora nem por isso andemos mais a horas! E talvez por isso haja mais problemas e implicações com os sinos das igrejas. Pois. Não sei. São os sinais dos tempos, embora o que parece é que passaram os tempos de ouvir e entender a voz dos sinos.
Cada sino tem uma voz só sua e uma mensagem só sua. Sei disso, porque dos três sinos da minha igreja dois (os mais novos e que eu ajudei a fazer) estão baptizados e têm neles inscritas as mensagens de anúncio, chamamento, escarmento e exorcismo do Inimigo que espalham quando os fazemos soar.
Por tudo isto não me espantam os problemas que parte das populações das comunidades erguem aos sinos. (A parte mais recente e menos enraizada na comunidade é sempre aquela que levanta a guerra aos sinos!) Nuns casos roubam-nos, noutros insurgem-se. Invectivam-nos, querem-nos calados em nome da democracia, do silêncio e do descanso. Foi isso que se viu em São Martinho de Bornes de Aguiar, em Oliveira do Bairro e na Tocha. E noutros lugares também. Aos que querem e aos que não querem os sinos, a uns e outros percebo-os bem. Percebo as razões, a maioria nascidas do desconhecimento. E também percebo e aprecio a frontalidade de José Pacheco Pereira, no seu blog Abrupto. Escreveu o pensador: «Os sinos não morrem. Um dos mais antigos media soa aqui ao lado: o sino da igreja. Ontem anunciou um evento, tocando a finados; hoje anuncia outro, tocando para a missa. O sino informa e, embora o seu toque já seja automatizado, carrega-se num botão e toca, continua a ser o velho sino de sempre. Alguns sinos têm o software inscrito no hardware: “Laudo Deum verum plebem voco congrego clerum, Defunctus plorom nimbum fugo, festa decoro.” Alguns media não morrem tão depressa como se julga. Este sobreviveu ao telex.»
Gostei da lucidez de JPP, mas já m’arreganho e m’aspanto com a falta dela no povo português. Que dirão eles quando Portugal for enxameado por mesquitas donde — com o devido respeito — as roncas zurram suras do Corão, de hora em hora? Julgam que se as mandarem calar se calarão tão pacíficas como se calam os nossos velhos sinos? Não creiam, não creiam. Não creiam. Porém, dias virão.


Fraterna
Há na vida coisas inesperadas. Há dias, folheando uma revista espanhola de actualidade católica, apercebi-me que um título estava incompleto. Nunca tal me acontecera. Por isso recusei-me a continuar a ler, porque quero comentar o sucedido sem ler o noticiado.
Então vamos lá. O título em causa era: «A paróquia do futuro deve ser mais acolhedora e». Como disse o título estava incompleto. Que faltaria ali? E comecei a pensar de mim para mim em adjectivos que se pudessem aplicar à comunidade paroquial de hoje. E o complemento em falta poderia ser: mais simpática, mais atraente, dialogante, fraterna, mística, carismática...
Poderia ser muitas outras coisas, poderiam ser muitos os adjectivos em falta. Nos dias de hoje caberiam ali muitos outros que descrevessem os desafios postos à paróquia actual.
Sim, eu reconheço que a vida paroquial poderia ser mais simpática. Quantas vezes só vemos ali funcionários e apenas funcionários, cada um mais carrancudo que o outro, mais interessados em complicar que em ajudar e servir? A começar pelos padres, como eu!
Reconheço que poderia ser mais atraente. A Igreja guarda tesouros e linguagens dentro de si que poucos entendem. Não são muitos que percebem os códigos das cores e dos ritos, dos gestos e dos ditos. Falta talvez alguma leveza sem quebrar a tradição; algum arejamento sem que uma revoada de vento nos leve os papéis do guião.
Reconheço que poderia ser mais dialogante. Somos minoritários. Assumo-o sem medo. Os católicos somos minoritários. Digo os católicos católicos, pois julgo que não se deva contar os católicos não-praticantes. Porém não os desprezo, amo-os, acolho-os e sirvo-os. A Igreja (muito para além do grande grupo dos não-praticantes!) está cada vez mais esfrangalhada em tribos e correntes, movimentos e tendências. Estamos a perder a plataforma de entendimento e de diálogo, temos dificuldade em falar a mesma língua. Em conseguir entender-nos. Os grupos são tantos e tão diferenciados que é um desafio hercúleo este que se põe à paróquia actual! (E nem falar da obrigação de ter de dialogar para fora do círculo da fé, e da fé cristã!).
Reconheço que poderia ser mais fraterna. Isto é, mais capaz de acolher a todos como irmãos, sem olhar a diferenças, sem reparar na cor das condutas, mas nas necessidades, nas feridas e debilidades. Tenho algumas dúvidas que todos os que entram pela porta da igreja se sintam irmãos, que haja sentimentos de mutualidade. Tenho dúvidas, que a verdadeira fraternidade seja vivida. É talvez uma miragem e um desafio permanente.
Reconheço que poderia ser mais mística. Sim, falta ainda à Igreja e a cada um o fazer experiência do Senhor Ressuscitado. Cumprimos os ritos e isso é bom; executamos frequências mais ou menos corporativas, mais ou menos de bairro. Mas temo que nos fiquemos muito pelas ramas, que sejamos como a chuva de verão: chove e logo seca, sem chegar a assentar o pó e sem lavar. Faltará muito para que a paróquia saiba pôr-se a caminho, seja de Damasco, Emaús, ou para «onde Eu te indicar»?
Reconheço que poderia ser mais carismática, mais corajosa e alegre, mais dinâmica e interventiva, mais fragante e mais santa, mais ágil e dócil, mais atenta e carinhosa, mais jovem e mais serena, mais transmissora da fé e mais pacificadora na hora da morte. Enfim, poderia ser mais sábia e mais conselheira, mais cheia de ciência, de entendimento e temor de Deus, mais forte e piedosa,
Agora vou ler o texto. No final declararei, se conseguir, o adjectivo em falta no citado título. «Fraterna». Julgo que o título completo poderia ser: «A paróquia do futuro deve ser mais acolhedora e fraterna». E quem o disse foi o P. Francisco Garvía da paróquia madrilena de Nossa Senhora das Delícias. Ora, pudera! Com uma Padroeira com aquele nome eu compreendo-o bem e aceito que ele tenha autoridade para dizer o que disse!

Máxima
«Não há senão um caminho, o da cruz. Fora dele não há salvação. Mas isto custa muito à natureza. É duro mortificar os sentidos, romper com os mãos hábitos» (B. Isabel da Trindade). Reconheça-se que a santa carmelita tem razão, eu reconheço-o ainda que me custe. Mas ela não fala se não o que fala o Evangelho. E o Evangelho é o caminho. A seguir. Siga-se, pois.

Mínima
Ama e faz o que quiseres.


[11 de Fevereiro de 2007]

sábado, 6 de julho de 2013

Notas de Roda-pé

1000 000 000 SMS
Segundo o jornal PÚBLICO entre a quadra do Natal e a do Ano Novo os portugueses trocaram mil milhões de mensagens por telemóvel. Espantoso! Eu também contribuí: recebi 156 e enviei talvez umas vinte, o que faz de mim um forreta indelicado. Sendo Portugal tão pequenino revelou uma indomável capacidade para o diálogo e a solidariedade, o reconhecimento e proximidade. Eu recebi mensagens de amigos que não se identificaram e por isso não os reconheci, o que prova que tenho mais amigos do que creditava, o que prova que o espírito natalício abre portas e janelas de almas que no resto ano não se falam mas se querem. Que nos falemos e estimemos e recordemos eu acho óptimo. O pior é talvez o resto. Do ano.
Acabo de chegar duma loja comercial onde fui comprar um cartucho de tonner. Quando a porta automática me deu as boas-vindas abrindo-se alegremente ante mim, recebi uma rajada do agente Jack Bauer. Como não doeu nem saiu sangue olhei para o lado, mas ninguém caíra ao chão. Entrei. Durante o tempo que ali permaneci milhares de aparelhos debitaram ruído sem fim, informação sem fim, palavras sem fim, canções. Excesso e overdose. Babel e balbúrdia. Mesmo assim, já com o cartucho debaixo do braço, grudei ao ouvir uma canção linda que, como pude reparar, só eu ouvi sem ouvir nada mais da balbúrdia geral.
É princípio do ano.
Toma, Senhor, o meu coração cheio de boas intenções, mensagens e palavras. E purifica-o. Aconchega-me os recantos da alma, limpa as teias de aranha dos meus olhos, a fim de que eu ouça como que em linda canção a Palavra Eterna, que brotou dos lábios de Jesus e agora só pode ser ouvida em silêncio.

Meninos
Dizem os jornais que o Daniel Carvalho, a Catarina, a Vanessa, a Fátima L., a Joana, o Yuri e a Angelina e agora a Sara morreram. As características comuns a estas mortes são o tratar-se de crianças de tenra idade, desprotegidas e em famílias de risco. As suas mortes foram cruéis. Foram vítimas de maus tratos. Maus tratos, não. Simplesmente sem tratos, porque as crianças ou se cuidam como é seu direito, isto é, ou as cuidamos, acarinhamos, acalentamos e lhes espantamos medos, fantasmas e frios, ou tudo o resto não é trato nenhum. É tortura. Tortura em país civilizado, crescido, adulto, higiénico, laico, europeu e do século vinte e um!
Vejo mais uma vez as suas caritas no Correio da Manhã. São caras reguilas, irrequietas, inquiridoras. São caras de crianças, enfim. A Joana, de oito anos, faz lembrar uma mulherzinha. Uma mulherzinha por antecipação, daquelas que se ocupam da casa, da mãe, dos seus desvarios, do deve e haver da família, do futuro, do porvir truncado. Ao que dizem e talvez seja o mais certo, jaz agora na barriga dum porco! Meu Deus, que horrível! Ela que costumava ocupar-se das comidas da família foi comida por quem nasceu para ser sua refeição!
Como tão facilmente as coisas se transtrocam!
É por isso que eu vou pela rua, às vezes devagarinho, a rezar. Vejo meninos pelas mãos e nos carrinhos e nem sempre aconchegados pelo melhor dos carinhos. Vou por ali, vou por acolá. E vejo meninos e vejo futuros, vejo doutores, presidentes e calceteiros. E talvez alguns não cheguem muito além. E talvez alguns morram não sei onde. E talvez a barbárie imponha a sua lei crua e morra mais algum indignamente. Olho, vejo. Há meninos que nos sorriem, que nos espevitam as janelas da esperança como semáforos verdes que nos convidam a passar. E eu pergunto interrogando-me: qual será o próximo que morre? Qual é o próximo a acabar na barriga dum porco, ou pior?
É por isso que quando me cruzo com eles, mais que com as suas mães ou pais, eu me dirijo a eles. Penso neles, olho-os se possível. E rezo por eles, abençoo-os. Sim. Talvez aquele menino ou menina seja muçulmano, árabe, ateu ou agnóstico. (Sim, que cada um começa por ser o que os seus pais forem.) Talvez não seja nada daquilo que eu sou e acredito. Mas é um menino, é uma menina. Uma criança, o futuro. E então eu os abençoo em nome do Menino Jesus de Praga e lhos consagro e ofereço. São dele. Ninguém mo pode impedir. Abençoo-os todos no meu olhar, na minha oração silenciosa. Todos os meninos que eu vejo eu Lhos dou, em seu Nome os abençoo. Eu lhes dou Salvação. Eu lhes dou Jesus em forma de benção, a fim de que porco algum lhes faça mal. Amen.

Máxima
Não sei quem o disse, mas nalguma parte do Evangelho algo de parecido deve haver. Só pode. Diz assim: Reza como se tudo dependesse de Deus, trabalha como se tudo dependesse de ti. Se assim fosse — que interessa o credo ou a ausência dele? — não precisaríamos de Segurança Social.

Mínima
A santidade atrai(-me).

 [4 de Março de 2007]