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sábado, 30 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Mais
O Comandante Ezequiel está mais crescido. Que me perdoe este modo de entrar com ele, mas as palavras — ou pelo menos a ideia — são dele. O Com. Ezequiel foi quem comandou as operações de resgate na tragédia da ponte de Entre-os-rios. Agora conta tudo num livro. A epopeia está lá toda. Devo dizer que o homem já me impressionara na altura. A clareza, a economia do discurso (dizia o que devia ser dito sem exageros nem falsas esperanças), a solicitude, o empenho, a responsabilidade. Na braveza daquele mar de água em que, no Inverno passado, se tornou o rio Douro o Com. Ezequiel comandou a armada sem perder um navio. E como tinha a televisão a fazer permanentemente directos estava directa e permanentemente a ser policiado. Enquanto andava responsavelmente a esquadrinhar o fundo do Douro nós espiolhavamos-lhe a alma e os pensamentos, as hesitações e o medo, a fé e a técnica, a tática e a sabedoria.
Agora o Comandante escreveu um livro para nos contar o que aconteceu. E aconteceu que ao menos um de nós cresceu como homem. Desde que a ponte falhou sobre o abismo alguém é mais homem. Amadureceu muito o Comandante!
Todos vamos amadurecendo na vida. Andamos a amadurecer até morrer e caímos de maduros quando morremos. É certo que a vida a todos vai concedendo oportunidades de amadurecimento. Uns aproveitam-nas, outros não. Em trinta e cinco dias o Com. Ezequiel cavalgou a experiência do limite e da pequenez, e fez o que tinha a fazer: cresceu como homem! No Inverno passado Gil Eanes regressou ao Bojador. E saiu mais homem!

César
A César o que é de César. João César das Neves é economista e perguntaram-lhe pela fé. Respondeu afirmando que era católico e que o católico deve viver com os olhos postos no céu, porque é para aí que está a caminhar. Se vamos passar a maior parte da vida no céu (e agora só estamos na sala de espera) o melhor é, pensa César das Neves, ir praticando o que havemos de viver. Como bom economista César das Neves sabe bem onde se fazem as melhores apostas. E já fez as suas. Não desprezou as de cá, mas apostou descaradamente tudo nas de lá!

Prática
João César das Neves não é padre, é católico casado. Perguntaram-lhe o que pensa dos católicos não-praticantes. A resposta é interessante e sem teias de aranha. Respondeu que respeita todos os que estão em processo de adesão e seguimento de Jesus. E rematou dizendo que lhe é difícil entender um católico não-praticante como lhe é difícil entender um casado não-praticante!...

Sem Deus
Pela mesma altura Jorge Coelho também foi entrevistado. E também lhe perguntaram sobre a fé e sobre Deus. Vejamos: é baptizado, é de formação católica, fez militância católica, conhece os valores da Igreja Católica e navega por referência a eles; não é praticante (mas é casado e tem dois filhos baptizados), não é católico mas agnóstico. No que faz não precisa de Deus, mas sempre nos informa que respeita os crentes e as Igrejas. Se a entrevista não tivesse seis meses diria que o Governo queria eleições.

Credebilidade
Há tempos o Instituto das Ciências Sociais divulgou um estudo sobre valores e comportamentos dos portugueses. Na altura causou surpresa — embora mais em quem mais doeu — a alta percentagem de confiança depositada na Igreja Católica: 63% consideram-na ‘extremamente importante’! Respondeu quem respondeu, doeu-se quem se doeu; sendo que, lá diz o provérbio que se sente quem é filho de boa gente.
Por mim anoto que o século XXI está nomeado para ser o século da religião. O século XX terá tentado ocultá-la, negá-la ou amordaçá-la. Não conseguiu. O actual talvez nos mostre a não-utilidade da religião e nos (in)forme àcerca do seu não-ser descartável, reutilizável, consumível. Talvez o século XXI nos revele como a religião é integradora de todo o homem e do homem todo. A vida humana não pode ser amputada na sua ligação à Fonte, sob pena de que não ligado à Fonte o rio deixe de ser rio e nunca sinta aquele apelo integrador que é o que o constitui como rio: querer correr para o mar.

1’ de sabedoria
Os alunos do Mestre passavam o tempo pedindo-lhe umas palavras de sabedoria só para eles. Um dia o Mestre declarou:
— A sabedoria não se exprime em palavras. Ela revela-se na acção.
Depois de ouvirem isto os discípulos mergulharam de alma e corpo em plena actividade. Então, o Mestre deu uma gargalhada e comentou:
— Mas isso não é acção! Isso é apenas movimento!

[18 de Novembro de 2001]

quinta-feira, 28 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Deus
Ouço dizer que uma revista colocou na capa o seguinte: «liga a televisão, vais precisar de Deus!». Não é da minha memória porque não o vivi; mas é da minha memória porque li e ouvi falar muito sobre isso. E ouvi que o século vinte viveu sinceras tentativas de arquivar Deus. Uns remetiam-nO para a pasta dos casos sem solução; outros para os assuntos ‘top secret’; outros para a secção dos perdidos e achados. E como o século vinte e um é filho do anterior não admira que este tenha aprendido daquele. O que admira, e admira a muitos, é que, apesar de tudo, Deus acabe por entrar por uma das janelas que mais ajudou a arquivá-lO: a televisão!
Parece que, ultimamente, nenhum outro fenómeno como o de 11 de Setembro, em NY, levou tanta gente às igrejas e os reencaminhou pelos caminhos de Deus! E não foi só em NY, mas porque o fenómeno teve repercursões mundiais o reflexo foi também mundial.
S. João da Cruz diz que Deus não deixa uma prece sem resposta, um problema sem solução. E dá um exemplo. Imaginai, diz, que alguém reza pedindo: Senhor, livrai-me dos meus inimigos. E continua: imaginai que fugindo dos seus inimigos esse que assim reza cai nas mãos dos seus temíveis inimigos e estes lhe dão a morte. Que diremos? Muitos dirão que as suas preces não foram atentidas. O que não é verdade, porque, de facto, esse que morreu às mãos dos seus inimigos se encontra agora fora do alcance das suas mãos, e, por isso, livre dos seus inimigos. Assim é Deus nos seus/nossos negócios!
Se, pois, ligardes a televisão — diz a revista — ireis precisar de Deus. Eis que Ele entra suscitado por um dos inimigos que mais O combateu. As muitas tentativas de O arquivar e afastar surtiram efeito contrário: aproximaram-nO e provocam em nós fome dEle.

Centros comerciais
São espantosas as romarias e as procissões que em dias de Domingo se fazem pelos centros comerciais. Há profetas que dizem que a tendência se inverterá. Por uma razão muito simples: nada ali preenche o vazio que o 11 de Setembro tragicamente desvelou em nós. São locais de ausência, e a fome não se mata com fome. O mesmo é dizer que o vazio não enche, enche-se. O regresso às igrejas recorda-nos — a nós que navegamos desde esta margem — que ali há Presença. Presença misteriosa, silenciosa, libertadora, acolhedora.

Todos os dias
É quando a festa vai acabando que mais se vai ouvindo o refrão: Natal é todos os dias. Creio mesmo que quem mais o afirma mais falha. É como naquelas histórias do tempo de garotos que terminam com juras. E quem mais jura mais mente, dizíamos.
Sinceramente aquilo que vejo — e vejo olhando desde a minha margem —, Natal não é todos os dias. Infelizmente, mas não é. O que até é bom para o marketing que vende a marca Natal.
E a prova aí está. Outubro ainda não terminou e, na rádio, já ouço anúncios de Natal. Um jornal para vender mais oferece postais de Natal. Não será por essa razão que haverá mais Natal, nem será por essa razão que o Natal é todos os dias. O jornal venderá mais, estou certo. Porque também é certo que o Natal já não é nosso, pelo que aquilo que as boas vontades não realizam é alcançado pela força do dinheiro. Se não conseguimos fazer Natal todos os dias o dinheiro impõe o Natal cada vez mais cedo. Não é mais Natal, nem melhor Natal; mas para nós é cada vez maior a obrigação de sermos Natal.

B. Frei Bartolomeu dos Mártires
Bartolomeu nasceu em 1514, em Lisboa, e na pia baptismal deram-lhe o nome de Bartolomeu do Vale, nome que aos 15 anos trocou por Frei Bartolomeu dos Mártires ao consagrar-se como frade dominicano. Na idade madura era um dos grandes intelectuais europeus, e aos 45 anos foi eleito Arcebispo de Braga. Participou no concílio de Trento que influenciou decisivamente. Foi mentor e mestre do bispo de Milão, S. Carlos Borromeu que se reconhecia discípulo do Arcebispo Santo. Morreu em Viana do Castelo em 1590. E foi no dia do seu discípulo, 4 de Novembro, em Roma, que o Arcebispo Santo, Frei Bartolomeu dos Mártires foi proclamado Bem-aventurado (Beato) pelo Papa João Paulo II. Em Braga, entre os pobres, foi pobre e humilde; em Roma, entre os bispos, foi grande e profeta. A sua voz profética escandalizou, em plena aula conciliar, o papa e os cardeais ao afirmar: «Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais estão a precisar de uma ilustríssima e reverendíssima reforma»!

Simplicidade
Felizmente Frei Bartolomeu dos Mártires tem seguidores e herdeiros. Ainda hoje. No recém-encerrado Sínodo dos Bispos que decorreu em Roma, uma voz se levantou sugerindo — e até pedindo — mais simplicidade de vida aos bispos da Igreja. Foi o bispo equatoriano D. Victor Alejandro Corral Mantilla. Nas suas palavras o bispo equatoriano entendia «que a pobreza evangélica implicaria a renúncia aos títulos de monsenhor, excelência, eminência; e que os bispos se chamassem simplesmente padres (pais)». Ao concluir o Cardeal presidente respondeu: «muito obrigado, excelência!», ao que, ironicamente, o primeiro respondeu: «não tem de quê, eminência!».

1’ de sabedoria
Perguntaram ao mestre: - Como posso chegar a ser um grande homem como o senhor?
O mestre respondeu: - Porque razão deseja ser um grande homem se ser homem já é ser grande?  

[5 Novembro de 2001]

terça-feira, 26 de março de 2013

Notas de Roda-pé


O mundo aqui tão perto
Pegou a moda dos Emails. Num mundo a consumir excesso de informação eis uma nova fórmula que cria adição, mas que nos faz sentir próximos, unidos e em comunhão com os membros que se encontram no extremo da Aldeia Global e nos afasta da nossa mesma aldeia e dos vizinhos com quem vivemos paredes meias.
Nos últimos tempos recebi carradas de mensagens pela Net. De anedotas a histórias vem de tudo. Prefiro aquelas que, porque apelam à caridade e à solidariedade, me fazem sentir vizinho de gente a muitos milhares de quilómetros e me faz viver problemas de pessoas que eu nem sei que existiam. Não sabia, mas agora sei. E são meus vizinhos que fazem parte da minha história. Vejamos.

Membro honorário

Um chefe índio da Amazónia pede a minha solidariedade em forma de denúncia contra os estranhos que lhe invadem o território. Trazem progresso, dizem, mas só destroem. Depois que chegaram os homens do progresso a tribo nunca deixou de regredir em saúde, qualidade de vida, respeito pelas tradições antigas, paz, serenidade. Pedia que eu denunciasse e reenviasse o mail para as Nações Unidas e foi o que fiz. Devo ser membro honorário duma tribo amazónica de que já não lembro o nome!

Desaparecimento
Em Portalegre desapareceu um garoto dum colégio. Os pais recorrem a todos os meios para o localizar. Não têm Internet mas conhecem um amigo que tem. O amigo cumpre o seu dever de solidariedade e lá me chega mais um mail. Junto vem um anexo com a fotografia do garoto. Nem era preciso. Mantenho-me atento, mas nunca mais dou ou recebo notícias. Que terá sucedido a este habitante da Aldeia? Não sei, mas ainda continua na minha teia de preocupações. E desde esse dia há mais uma ausência em mim. E lá foi mais uma carrada de mails.

Dar sangue
Num hospital há um amigo à espera duma operação. Claro que não o conheço, mas a mensagem apresenta-o assim e eu estou disposto a ser amigo de todos os que estão em privação e necessidade. O seu sangue é do tipo B-, um tipo raro, como se sabe. Não é o meu e não posso fazer muito, mas a operação é mesmo urgente senão eu não teria recebido um mail. Em poucos minutos faço operação de reenvio, e logo à noite muitos dos meus amigos vão receber a mesma mensagem. É assim a solidariedade...

Burlas
Alguém em nome de uma operadora de telemóveis anda a cometer fraudes. Não percebo muito bem, não sei bem quem ganha. Mas todos — quase todos — os meus amigos usam o telemóvel. Aqui é para bem dos que conheço e nem hesito, aí vai mensagem para todo o pessoal. No fim aquilo soou-me a publicidade implícita, mas, sem pensar, colaborei.

Vírus
Os computadores são ferramentas sensíveis. Não há nenhum que o não seja. E os que estão ligados à Rede são-no ainda mais. O mínimo percalço provoca danos terríveis. Às vezes perde-se o trabalho de muitas horas... Quase todos os dias recebo notícias de novos vírus e da forma — simpática, sugestiva, insinuadora — como se apresentam para nos lixar. Agradeço aos que pensam no meu bem, e já que devo fazer bem sem olhar a quem, aí vão, indiscriminadamente, novas mensagens a avisar do mesmo.

Estórias
Também há estórias bonitas, mensagens encorajadoras. Há muitas fontes de esperança e de confiança. Se és pai, tens estórias de pais; se és joven, encontras estórias de jovens; se és professor, tens estórias edificantes para professores. Ainda não encontrei estórias para padres — ou se calhar são todas... Mas, talvez não tarde. Porém, até as que são para os outros eu leio. Desta forma fico a saber como está o mundo, como palpita o seu coração, quais são as suas preocupações e centros de interesse. E, claro, no fim lá re-envio as histórias segundo os destinatários e os interesses.

Inquérito
Também me chegou um inquérito. Há nele perguntas interessantes, outras nem por isso. O objectivo é ficar a conhecer melhor as pessoas que já conheço bem. E vice-versa. Li com curiosidade. Mas não respondi, embora seja obrigatório. Nestes inquéritos pode disfarçar-se muito ou maquilhar-se a preceito. Eu prefiro conhecer as pessoas no confronto do dia a dia. Mas não deixa de ser interessante mais esta utilização da Rede.

Só Deus basta
A Verónica vi-a ainda no fim de semana passado. Como gosta de nós e sabe que precisamos dela e da coragem dela, à noite, envia-nos mensagem a todos. Aqui vai: Boa noite, MUNDO!!! Bem, é só para dizer um grande OLA, que estou viva e que me lembro muito dos amigos com quem caminho apesar das distâncias, de todos... Muitas beijocas a até qualquer dia (quando menos se esperar...). Só quem tem paz em seu coração pode semear a paz! Teresa convida: "Mira que te Mira" E com o olhar a tranquilizar o que vivemos! Pois "Solo Dios Basta"... É importante que haja apoio mútuo dos amigos... de Deus!
Obrigado, Verónica.

Zacarias Kamuenho
Esta não chegou por mail. Vem na imprensa. Zacarias Kamuenho recebeu o prémio Sakarov de Direitos Humanos atribuído pelo Parlamento Europeu. Pelo dr. Mário Soares fiquei a saber que era o mais importante prémio europeu. O eurodeputado Ribeiro e Castro comenta dizendo que “é a primeira vez que o mundo reconhece um interlocutor que não tem o dedo no gatilho”.
Zacarias Kamuenho é angolano e é o bispo de Lubango. A sua palavra é de paz. A sua vida de fé. Talvez, talvez, quem sabe! Talvez já não veja a paz em Angola. Mas nós e Angola e o Mundo — e como precisamos disso nestes tempos! — ficamos a saber que no meio da guerra sem quartel há homens que parecem meninos. Nas mãos trazem flores, na boca sorrisos.

[19 de Outubro de 2001]

domingo, 24 de março de 2013

Notas de Roda-pé


Provérbio
Há, algures, um provérbio que diz assim: se queres educar uma criança precisas dum povo. Coisa difícil. Vivemos um tempo em que encomendamos a uma classe especializada — amas, educadoras, professores, gurus, treinadores... — a nossa responsabilidade de educar. Dispensamos o povo, isto é, a comunidade de identidade, e entregamos as crianças a uns oficiais, digo aos profissionais da educação. Mas como educar nasce do coração e não apenas da razão e do título de competência a coisa pode dar para o torto. Estes dias lia num jornal espanhol um cartoon (desenho). Dois rapazes vão falando pela rua:
-- Não digas baboseiras. Se os Reis Magos existissem estariam na internet., diz um.
-- Não necessariamente; os meus avós existem e não estão na internet, estão num lar.
-- Boa. Como sabes?
-- Porque um dia fugiram e encheram-me de beijos.
Realmente cada vez é mais difícil educar.
Vimos, a meu ver, cometendo no mínimo dois erros: primeiro, entregamos os nossos filhos à tal classe especializada. Mas esta nem sequer educa os seus filhos, pois os reencaminha pela mesma via que seguem os nossos. Como poderá ela educar os nossos filhos se não educa os seus? Segundo erro: limitamos o acesso das crianças ao conjunto do povo. O diálogo que transcrevi é disso sinal. Dividimos a sociedade (e a família) em secções: secção um: os que produzem; secção dois: os que já não produzem; secção três: os que produzirão no futuro. Por vezes parecem secções estanques, sem comunicação. E como o povo anda separado é difícil ensinar o que é um beijo e aprendermos (porque nós também andamos a aprender) que os beijos são a maneira como os velhos nos educam.

Futuro
Antes do Ataque à América os jornais falavam dos meninos católicos da Irlanda do Norte que para ir à escola tinham de ser escoltados por soldados. Se nos olhos dos meninos de seis e sete anos semeamos balas e camuflados que esperamos colher dentro de quinze ou vinte anos?
Nos desenhos do Luis Afonso é que está a razão. Antigamente os avós contavam histórias e mantinham viva a memória da história que parecia demorar em passar. Agora parece que contam coisas mais práticas. Por alguma razão o Luis A. desenhou dois avôs na cadeira de rodas. Um é palestiniano, o outro judeu. O palestiniano ensina o neto a escolher pedras e como se colocam e atiram com a funda da Intifada; o judeu ensina a armar uma metralhadora e a disparar contra os árabes. Já nem nos avôs se pode confiar...
O melhor é educar as crianças com um povo inteiro por mestre.

Efeitos
O Ataque à América, para além da enorme depressão e do que não sabemos estar ainda para vir, teve algumas consequências interessantes. Por alguma razão o discurso oficial diz mais ou menos que se deu um empate técnico. Morreram seis mil pessoas ou perto disso, é verdade, mas, o orgulho da jovem nação americana saiu reforçado; a solidariedade subiu para o seu lugar, o primeiro; Deus está mais presente.
São vários os sintomas do reforço do patriotismo. Fixemo-nos apenas no epicentro do Ataque. As Twin Towers ruiram mas o povo anónimo — não todo, claro — quer vê-las reconstruídas e ainda maiores e mais esplendorosas, ainda mais afirmativas do poderio da única superpotência.
A solidariedade subiu, vinda de vários quadrantes, e alguns até inesperados. Chegaram muitas ajudas, vindas de muitos sectores. Os heróis dos americanos são os bombeiros. São eles quem têm direito a sentar-se nos bancos dos transportes públicos; para eles abrem-se alas quando passam a pé pelo meio da multidão; vão para eles as palmas sejam espontâneas, sejam em cerimónias oficiais. Há, porém, um efeito ainda mais interessante, e até inesperado. Os novaiorquinos passaram a cumprimentar-se no metro ou no elevador, falam de si na rua uns com os outros como se fossem conhecidos. E irmãos são, pelo menos na ressaca da tragédia.
Deus parece, de facto, mais presente. Aparece presente em discursos que o acusam de ausente. Uns queriam-no tipo big brother, controlador de tudo e todos; capaz de desviar as Torres antes do Ataque e de as colocar no sítio depois dos aviões passarem. Outros, como não encontram formas capazes para dar de beber à dor vão lavá-la ao silêncio das igrejas, à presença do sacrário, às mesquitas e às sinagogas. Lêem poemas e salmos, cantam e acendem milhares de velas. Deus anda mais perto de Nova Iorque.

Arquitectura
Depois do Ataque a América deixou de rir. Naturalmente. Mas o Presidente já disse que os americanos se podem rir, ou pelo menos sorrir. É mais um efeito sintomático. Há, contudo, outros lugares de reflexão da qual o futuro se encarregará de recolher os frutos.
Vai ser necessário repensar as cidades como lugares de mega-concentração de pessoas e consequentemente — ainda que nem sempre visível — de declínio da qualidade de vida.
Vai ser necessário repensar a arquitectura vertical. Eu que estou convencido que reconstruirão as Torres teria muitas dúvidas em lá viver. Prevejo uma fuga para o campo. Vai ser necessário repensar uma nova ideia de cidade e de organização das pessoas. Como manter os mesmos níveis de eficácia sem a concentração de pessoas e de serviços que se verificam nas cidades? Como pensar as cidades do futuro?
Vai ser necessário repensar a segurança das sociedades, até porque ninguém duvida daquilo que nos apresentam como evidência: a falha de segurança. Sem xenofobias é necessário pensar nos que estão dentro, nos que são de dentro. Até porque, por vezes, desde este dentro se comanda o mundo. E ninguém gosta dum punhal apontado ao coração quando tem de decidir.
Os momentos de crise são fonte de crescimento. Diz-se que quem tropeça e não cai anda mais rápido. A ver vamos se é o caso.

1’ de sabedoria
O Mestre tinha um discípulo de quem gostava mais do que todos os outros, o que despertou o ciúme nos companheiros. O  Mestre — que conhecia os corações — deu-se conta disso.
-- É superior a vós em cortesia e em inteligência, disse-lhes. Façamos uma experiência para que o compreendais.
O Mestre ordenou então que lhe trouxessem vinte pássaros, e disse aos discípulos:
-- Pegai cada um num pássaro, levai-o para um lugar onde ninguém o veja, matai-o e trazei-mo cá.
Todos os discípulos saíram, mataram os pássaros e tornaram a trazê-los. Todos... menos o discípulo favorito, que devolveu o pássaro vivo.
-- Porque não o mataste?, perguntou o Mestre.
-- Porque o Mestre disse que tinha de ser num lugar onde ninguém nos visse., respondeu o discípulo. Ora, em todos os sítios onde fui Deus estava a ver.
--Vedes?, contestou o Mestre. Vedes o grau da sua compreensão? Comparai-o com os outros.
E os discípulos pediram perdão a Deus.

Boa noite MUNDO!!!

Bem, é só para dizer um grande OLá, que estou viva e que me lembro muito dos
amigos com quem caminho apesar das distãncias, de todos...
Muitas beijocas a até qualquer dia (quando menos se esperar...)

Só quem tem paz em seu coração pode semear a paz! Teresa convida: "Mira que
te Mira" E com o olhar a tranquilizar o que vivemos! Pois "Solo Dios
Basta"...

È importante que haja apoio mutuo dos amigos ...de Deus!


[17 de Outubro de 2001]

sábado, 23 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Surpresa
Havia um rei a quem sempre liam o jornal. Desde o trono e com ar sério o exigente rei não permitia que se omitisse o mais pequeno dos títulos. E os servos liam obedientemente ao rei todos os títulos do jornal. Porém, jamais liam as letras pequeninas das notícias. Achava o rei que não deveria perder tempo com as letras pequeninas. E como não tinha paciência para elas ninguém lhas lia, e o rei não se inteirava do que diziam. Um dia o povo expulsou o rei do seu país e só o rei estranhou a ínfame expulsão de que se julgava vítima. Porém, isso era algo muito claro para os que liam as letras pequenas do jornal.

Herói
Se se puder falar de heróis depois do Ataque à América eu já tenho o meu. Chama-se Mychal Judge. Para ele era banal entrar na Casa Branca porque era habitual convidado dos presidentes norteamericanos, e por isso franqueava com naturalidade as portas da residência oficial do Presidente. Entrar ali ou na sede dos bombeiros de NY, socorrer os pobres ou visitar os doentes da sida era quase a mesma coisa para Mychal Judge.
Judge era o padre capelão dos bombeiros que socorreram as vítimas das Twin Towers. O seu colega Bill Feehan morreu ao ser atingido por uma mulher que caíra de um dos andares do edifício. Contra toda a prudência — porque mais que colega e bombeiro Judge era padre — recusou abandonar o local e ficou junto do moribundo celebrando com ele o sacramento da Unção dos doentes (há quem ainda lhe chame extrema unção...). E de lá não regressou, porque não teve tempo de retirar-se. A derrocada veio por aí abaixo e sepultou-o vivo.
Quando a noite do absurdo cai e nos cobre Deus dá-nos pequenas luzes que nos revelam que a esperança tem raízes no Seu coração, e que, por isso, nascerá sempre uma nova aurora!
Obrigado, M. Judge.

Ressuscitado
Eu vi a fotografia do P. Judge morto. Está sentado numa cadeirinha e cinco fortalhaços trazem-no até nós. Três são bombeiros, um é polícia e o outro é, supõe-se, um voluntário civil. O P. Judge vem reclinado sobre o seu lado direito, a dormir. A dormir, não. Vem sossegadamente, ressuscitado. Como só um herói que oferece a vida merece!

Partilhar
Antes de morrer Todd não ligou para a mulher. Podia tê-lo feito, mas não ligou. Desde o avião que ajudou a derrubar para que o Ataque à América não fosse maior Tood preferiu, antes de morrer, falar com uma telefonista de Chicago. Como sabia que ia morrer perguntou-lhe se ela sabia rezar e pediu à telefonista que rezasse com ele. E rezaram juntos.
Grande é o mistério da oração. Um homem arbitrariamente condenado e morto levantou-se em contra-ataque contra os seus iníquos juízes, e num acto heróico frustou-lhes os planos. Grande é o segredo da oração. Tão grande que tem de ser partilhado.

Vou rezar
Dai-nos, Senhor, um olhar limpo que não Te manipule; dai-nos um coração que sinta como sente o Teu coração; dai-nos, Senhor, um coração que ame como ama o Teu coração; dai-nos, Senhor, um coração que se indigne como se indigna o Teu coração; dai-nos, Senhor, um coração que perdoe como perdoa o teu coração.
Ajuda-nos, Senhor, a crescermos juntos. Amen.

1’ de sabedoria
Você se orgulha demais da sua inteligência!, disse o mestre a um dos seus discípulos... Você lembra-me um condenado que, dentro da prisão, se gloria da grande vastidão da sua cela!

[23 de Setembro de 2001]

sexta-feira, 22 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Dia Mundial da Criança
O dia 1 de Junho é o Dia Mundial da Criança. Na sequência das celebrações as minhas meditações foram estas:
Nkosi Johnson. O Menino Nkosi tinha só onze anos e nasceu com sida. Já não tinha pais mortos às mãos da Peste. Um escola havia-se recusado recebê-lo. Nkosi vestiu fato e gravata e para anununciar a sua doença, protestar contra a exclusão e fazer valer os seus direitos de criança. O Parlamento Sul-africano recebeu-o, ouviu-o e debateu o assunto. Também Nelson Mandela o recebeu ouviu e apoiou. Morreu menino, mas morreu a lutar pelos direitos dos meninos. Triste sina a dum menino que morre a lutar! Foi no Dia Mundial da Criança.
Menino guerreiros. É a moda, embora requentada. São usados sobretudo em África, mas não só. São mais baratos, mais fiéis, mais fiáveis, mais obedientes e menos exigentes. Com eles as guerras são mais baratas e nem por isso há mais derrotas. São trezentos mil em mais de trinta conflitos internacionais. Não ganham nada, só perdem. Uma vez li uma reportagem sobre os ex-guerreiros desmobilizados. Era todos meninos. Meninos? Talvez feras ou bestas, se crermos no relato do jornalista. Não tinham alma, nem regras, nem valores, nem futuro, nem história, nem comando. Estavam ali. Simplesmente apodreciam num charco de esquecimento e de drogas. Eram meninos que nunca tinham chegado a sê-lo.
Barco negreiro. Penso que foi em finais de Março. Um barco que conseguiu ser denunciado mas não encontrado transportava, algures, lá para o Atlântico Sul, meninos. Não se chegou a saber quantos eram (200? 300?), mas sabia-se para o que eram. Tinham sido comprados à miséria dos pais e iam como escravos, dum país para o outro. O comprador, ao que parece, não ia no barco. Quando a opinião pública mundial se começou a mover o barco começou a ter dificuldades em atracar: todos os portos africanos se recusaram dar entrada ao Barco Negreiro.
Quando finalmente atracou não trazia meninos, mas também não os tinha deixado em nenhum outro porto... E claro, o dono não vinha lá, mas se disser que é daqueles que gosta de champanhe e morangos e frequenta os locais onde a ementa se serve talvez não erre muito.
Timothy McVeigh. Ficará como nome maldito. De olhos abertos morreu executado depois de uma injecção. Tinha a minha idade e escolheu como últimas palavras as de um poema que diz: “Sou o senhor do meu próprio caminho, sou o senhor do meu próprio destino”. Fora o autor do maior atentado terrorista nos EUA. Custa-me compreender muita coisa, inclusivé como é que o Estado se assenhoreia daquilo a que não tem direito, a vida.
Na Suiça prenderam uma imigrante portuguesa. Era toxicodepende. E mãe. Três semanas depois a polícia entrou no apartamento da senhora e encontrou o cadáver de um bébé de ano e meio que morrera porque a mãe, presa, lhe faltara. Parece que, entre outras coisas, a polícia não atendeu a tempo a situação familiar da mulher. Mais uma vez o Estado se portou como um senhor feudal; e nem quero pensar que assim tenha sido por a mulher não ser suiça...
Para que cria um homem um filho? Que vale a vida?
Unamuno. Razão tinha dom Miguel de Unamuno num poeminha que eu recordo muitas vezes sem o saber de cor:
Aumenta a porta, Pai,
Para que eu possa passar.
Fizeste-la para os pequeninos
E sou crescido, para meu pesar.
E se a não aumentas, ó Pai,
Empequenece-me, por piedade.

S. João
S. João Baptista é o único santo que a Igreja além do dia da morte celebra também o dia do nascimento. Ao nascer os habitantes de Ain Karim, aldeia em que viviam os seus pais Isabel e Zacarias, perguntaram-se: “Quem virá a ser este menino?”
O dia 24 de Junho é um dia bonito para meditar na vida como dom. E nas surpresas da vida. E na recusa do dom! Espanta-me como nos tempos que correm as famílias jovens se vão escusando de ter filhos e vão fechando a porta à vida. Portugal mudou, já está moderno, ao menos na baixíssima taxa da natalidade. A moda é ter dois filhos, ou então um filho e um cão, ou pior ainda, dar lugar só aos cães.
Uma coisa é certa há uma enorme riqueza humana de que nos estamos a privar por causa da mesquinhez dos casais jovens. Quantos grandes homens e mulheres não teriam nascido se a regra fosse os dois filhos! Apostar num carro novo em vez dum filho é uma má aposta e a melhor aposta para se conseguir uma família triste. Há quem para lá da busca de conforto e bem-estar arrisque outra explicação — uma explicação bem pior. Se os casais jovens se recusam a ter filhos é porque perceberam que ‘assim não merece a pena viver’ e limitam os nascimentos. Assim como os animais exóticos em cativeiro se recusam a procriar, assim as gerações jovens. Se baixam os nascimentos é porque não querem oferecer uma jaula aos filhos. É capaz de ser duro de mais. Mas... não andarei muito longe da verdade.
Já vistes, Lili, que se os teus pais pensassem assim não terias nascido?

Prémio
Há uns tempos os noticiários informaram-nos que a Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo oferecia um prémio. O critério era original: teria de nascer um filho na família! Portugal parece que é a região (região?) da Europa que mais favorece, logo menos combate, a desertificação do interior. O prémio concedido pela Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo é um triste sinal.

Prémio
S. Demétrios fora convidado por Deus para um encontro bem longe da cidade, na estepe. O encontro era com o próprio Deus. Quanto mais pensava no encontro mas S. Demétrios apressava o passo. Eis senão quando o seu caminho se cruza com o caminho de um aldeão cuja carroça se encontrava atascada na lama. O barro era espesso e o buraco fundo. Durante uma hora o aldeão e S. Demétrios lutaram a bom lutar para arrancar para cima a carroça. Quando tudo terminou o santo correu como pode para o lugar do encontro. Mas Deus já lá não estava.
Conclusão de alguns: há sempre alguém que se atrasa para o encontro com Deus. É que existem demasiadas carretas e outros tantos azelhas que as deixam presas na lama dos caminhos por onde havemos de passar.
Outra conclusão (certa): é bom estar preparado para o encontro com Deus. Ele acontece mais cedo do que contamos.

[3 de Julho de 2001]

quinta-feira, 21 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Boavista
Viva o Campeão!
Agora que está de regresso o futebol vou explicar os fundamentos da vitória do Boavista. Claro que não tenho pretensão de me candidatar a Bitaites.
Há cerca de uns dez anos a Direcção do S. C. de Braga convidou-me a sentar-me entre os seus sócios e assistir a um jogo de futebol. Comigo foram três adolescentes. Eu não era de Braga, o Vítor era de Famalicão, o Nuno de Castelo Branco e o Miguel Ângelo de Chaves. A equipa visitante era o Boavista. Por deferência, obviamente, eu era arsenalista; os outros calada (estavam sentados em terra estrangeira...) mas assumida e firmemente eram panteras.
O jogo não empolgou. Os panterinhas ao meu lado estavam satisfeitos: empatavam fora; do outro lado os vermelhos ferviam porque a bola não entrava onde devia: na baliza do Boavista. Eis senão quando, quase perto do fim, um jogador do Boavista (Sanchez?) consegue uma grande bomba e um golo de bandeira. Ganhou o Boavista. Ao meu  lado o Miguel saltou como uma mola e festejou o golo do Boavista. Institivamente o desespero dos arsenalistas cravou-se em nós. Nós felizes, eles tristes. E todos sentados na bancada do sofrimento... Naturalmente pareceu-nos que deveríamos sair dali não fosse o diabo tecê-las...
Se conto este facto é para dizer que há dez anos já muita juventude era boavisteira, e o Boavista já podia deslocar-se ao terreno dos adversários e encontrar apoio. Certo que era discreto e até encoberto, mas também já passaram dez anos.
Depois, claro, já se sabe que um bom caminho para o êxito passa pela conjugação de inspiração e da transpiração: 20% para a primeira, 80% para a segunda...
Viva o campeão!

Papa
No dia 18 de Maio o Papa cumpriu 81 anos de idade. No dia 16 de Outubro celebrará 23 anos de papado. Em toda a história do Cristianismo só seis papas governaram a Igreja mais tempo que João Paulo II. Se chegar a Fevereiro de 2002 só serão cinco!
Em vinte e três anos de pontificado realizou 93 viagens internacionais e 137 dentro de Itália. Escreveu 13 encíclicas, 11 exortações apostólicas, 10 constituições, 23 motus próprios; convocou 12 sínodos; promulgou 1235 beatificações e 443 canonizações.
É o Papa da aurora do III Milénio.
Não deixa de ser curioso verificar que quando todos promovem e preferem a juventude e a beleza a Igreja continua a apresentar como chefe um velho alquebrado. Começamos um novo milénio com um Velho à nossa frente! Talvez sirva para recordar que não há novidade sem o sarro da memória, não há juventude sem a temperança da experiência, não há sonho sem realismo.
Em João Paulo II se cumpre aquela palavra paulina é quando sou fraco que sou forte. O que me parece um óptimo slogan para um século que acaba de nascer.

Cardeal
No dia 18 de Maio, São Clemente de Basto, a Igreja e o Estado homenagearam o cardeal D. António Ribeiro. No dia 24 completavam-se três anos da sua morte. D. José Policarpo, seu sucessor no Patriarcado, disse que é em momentos como este que um homem transcende o imediatismo da sua vida neste mundo. O senhor Presidente da República, elogiou a serenidade do homem da transição. As palavras talvez não tenham sido bem estas, mas não devo errar muito numas ou noutras.
Em São Clemente de Basto inauguraram-lhe uma estátua. Só a conheço no seu esboço e por fotografia. É robusta e sólida, apoiada e consistente, com uma grande base de apoio na terra mas apontando para o céu. Não me sugere a ideia de quem viveu o reboliço dum período de transição, mas fala-me da segurança de quem no esboroar-se da conjuntura, de quem no suave desvanecer-se dos princípios, sabe onde está a meta sem esquecer onde está o ponto de partida.
Todo o homem tem dimensão de eternidade. Quem duvidar deve ir urgentemente a São Clemente de Basto.

Peregrinação
Já peregrinei à ponte de Entre-os-Rios. Foi na terça-feira de Pentecostes. Mais que ir, passei por Entre-os-Rios. O Douro corria sereno e suave; não fora um rio e eu diria que estava sereno e suave. A entrada da ponte tem três barreiras: uma sinalização para ser vista de noite; três enormes blocos de cimento mais à frente; e um enorme portão de ferro que impede a vista. Quem quiser ir mais além ou vai pedir a chave aos Bombeiros locais ou sobe à parede lateral da ponte. Eu preferi subir e olhar por cima do portão. Rezei uma Ave-Maria, um Pai-Nosso e um Glória ao Pai.
Bem sei que existem normas de segurança. E se existem é porque devem existir. Mas não deveriam impedir de entrarmos naquele cemitério, naquele rio santo. Uma vez disseram-me que os cemitérios são as melhores universidades: não há quem ali não vá parar, e se não for mestre universitário se-lo-á da vida. Eu gostaria de ter entrado naquele pedaço de ponte. Como não foi possível olhei-a, e rezei, e associei-me às homenagens de tantos desconhecidos que ali ainda vão trazendo flores e velas.
Falta talvez ali uma cruz, ou algo que remeta para o sagrado, algo que nos recorde que a vida acabando aqui se prolonga para Além, mesmo que a ponte caia. Essa é a verdade. Se lá não puseram nada que nos remeta para Além, ao menos ali permanecerá a Ponte da Tragédia para nos recordar que entre a vida e a Vida existe uma ponte que não cai! Mesmo que pareça...

1’
O discípulo pediu ao Mestre uma palavra de sabedoria. E o mestre respondeu:
    Sente-se dentro da sua cela, e ela sozinha vai ensinar-lhe a sabedoria.
    Mas eu não tenho cela. Não sou monge!, respondeu o discípulo.
    É claro que você tem uma cela: olhe bem dentro de si mesmo!

[18 de Junho de 2001]

terça-feira, 19 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Cardeais
João Paulo II convocou pela sexta vez o consistório de cardeais. Deve ser um record. Além de record, foi ainda inesperado quer pelo número de cardeais participantes quer por se realizar passados apenas três meses sobre o último que decorreu em Fevereiro.
Por isso lhe colaram o rótulo da sucessão. Andarão, depois da convocatória, os cardeais à procura do sucessor de João Paulo II? Se sim se não não sei... Mas deve ter ajudado. Claro que se falou de muitas coisas (e falou quem quis). Apenas referencio em português, isto é, sem recurso a chavões teológico-pastorais os temas em debate:
  1. A crise de identidade dos católicos;
  2. falta de radicalidade da Igreja;
  3. O confronto com as novas formas de religiosidade;
  4. Universalidade da Igreja e relações entre as bases e a cúpula;
  5. O testemunho cristão perante os pobres;
  6. A moral sexual e familiar;
  7. A Igreja e os meios de comunicação.
Dizem que o Papa ouviu calado e, contra o costume, no fim fez publicar uma mensagem onde questiona os católicos ( eu atrevo-me a dizer que questiona todos os cristãos e não-cristãos, os que se dizem de fé ou sem ela). Falava a mensagem sobre a paz na Terra Santa (onde não conseguiu, como era seu desejo, reunir durante o Jubileu todas as igrejas cristãs...), e sobre a ajuda de toda a Igreja ao continente africano. Ainda temos Papa. E quem disse que não?

Veja
A revista brasileira Veja decidiu escrever sobre a Europa. E escrevendo sobre a Europa decidiu escrever sobre o (quase) crepúsculo da Igreja Católica. A palavra crepúsculo, ao que parece, não está na reportagem, mas...
A Veja, ao que dizem, é conceituada. Em consequência não houve em Portugal cabecinha pensadora que não tivesse falado do que opinara A Veja. O tema não é fácil. E o pouco que se sabe do Recenseamento da prática dominical também não ajuda muito. Mas quase me atreveria a dizer que até parece que A Veja já teve acesso à compilação dos dados...
De facto, parece-me exagero — e não é só por uma questão de fé — falar-se em crepúsculo ou até numa redução próxima do residual, mesmo que a questão não seja de números. Creio que estamos em mudança, o que é muito diferente de sermos espécie em vias de extinção! E mudança é mudança.
Por estes dias, alguém dizia que em Lisboa quando se decidiu, depois de muitas décadas, recomeçar com a procissão de S. António, ela se re-iniciou e as pessoas reocuparam os seus lugares e os lugares das suas memórias ou das memórias dos avós, como se a procissão estivesse suspensa apenas um ano!
É verdade que existem mudanças que o são, e outras como se o não fossem.
O cardeal de Fortaleza, Brasil, Aloíso Lorcheider respondeu a um jornal português dizendo que não se deve olhar a questão pelo lado dos números, se grandes se pequenos; mas pelo lado da caridade. Será a fé dos cristãos uma fé que se pode avaliar pelas obras (ou só pelas rezas)? A resposta dará a tonalidade da mudança.

Schiu!
Lembram-se da tragédia de Timor de há ano e meio? Eu lembro-me. E a imagem que guardarei sempre é a do escuro de uma noite (que piada poderia ter o escuro da noite?, perguntei-me quando via as imagens.), lá nas montanhas onde se haviam refugiado os cidadãos de Dili. Na mira da câmara surgiu um menino (três anos?), caminhando. Deu alguns passos (três? quatro? cinco?), tropeça e cai. E como qualquer menino que sofre as consequências do desamparo e da queda chora. E ainda antes de vermos que umas mãos socorrem o menino ouve-se um schiu firme e suave. E o menino calou-se. Os maus não andariam longe...
Estas e outras imagens devemo-las a alguns jornalistas (corajosos? loucos?) que ficaram em Dili quando todos os outros fugiram permitindo a matança. Passado ano e meio António Veladas, um dos jornalistas (ou dos loucos?) escreveu um livro. Chama-se Timor: Terra Sentida. Não morrerei sem ler o livro.
Não sei se o louco (ou seria jornalista?) foi condecorado, mas deveria ser. Eu assinaria a petição.
Recordo-me de o A. Veladas ter dito uma vez que, enquanto esteve naquela terra enfeitiçada e tão sobressaltadamente perigosa, sempre trouxera um pin com a nossa bandeira. E aquele pin naquele Agosto Negro era uma ousadia que o candidatava a ser comido pelas feras no coliseu dos integracionistas. Mas também abria corações. Contou ele como um timorense sabendo-o português o conduziu ao segredo dum quintal e desenterrou a arca do tesouro. E o tesouro era uma bandeira portuguesa do tempo em que Portugal ia até Timor. Desembrulhou a bandeira beijo-a e disse: “nesta eles não tocaram”! Eles, os indonésios.
Eu só espero poder ler esta história no livro do A. Veladas.

O outro
Não conheço o A. Veladas. Mas lembro-me das crónicas dele na Antena Um naquele Verão Negro de 1999. Eram crónicas com balas e com sangue e com ódio e com esperança e com ansiedade e com medo e com angústia e com noite e com sonho e com valor e com coragem e com...
Nunca tinha ouvido falar dele antes, logo pouco e nada sei dizer dele que não seja pela sua boca. Ouvi-o dizer: “Em Timor aprendi que viver não é só respirar”. E também o ouvi dizer: “Ali aprendi uma virtude: o respeito pelo outro. E só o aprenderia em Timor”.
Todos deveríamos ter direito a um Timor na vida ou merecer tê-lo, mesmo que o preço fosse, na sequência, escrever um livro sobre ‘Como em minha vida dobrei o cabo Timor’! Se for o caso avise-me, mas não deixe de ler o de A. Veladas.

1’
O Mestre disse a um homem de negócios:
  • Assim como o peixe, fora de água, perece; também você, embaraçado nas coisas deste mundo. Deve o peixe voltar às suas águas e você regressar à solidão.
Espantado, o homem de negócios perguntou:
  • Devo abandonar os meus negócios todos, a fim de me enterrar em algum mosteiro?
  • Não! Não! Conserve os seus negócios e entre no seu próprio coração!
[ 8 de Maio de 2001]

domingo, 17 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Não compre este livro
Na redacção de A Verdade há um livro à venda, mas não deve comprá-lo. Eu comprei-o porque, enfim, sou (quase) da casa... e tinha de ser solidário (nos tempos que correm, fica mal não o ser!). Depois embrulharam-no com o rótulo ‘é por uma boa causa!’, e quando nos dizem isso nós, para não nos envergonharmos de não apoiarmos ‘boas causas’, compramos. Mas você não vá em cantigas. Não compre este livro. Previna-se. O livro chama-se Migalhas de verdade! Tenha cuidado e seja fiel à tradição. Em Portugal lê-se pouco, não queira dar uma de intelectual! Não deixe que os seus amigos o vejam com um livro na mão! Depois ‘verdade’, que ‘verdade’? A verdade da Any, claro. Por isso, cuide-se! Se é daqueles que vai mais pelas verdades doutros gurus, tipo João Baião, Teresa Guilherme, Ediberto Lima  — ou dos que estão por detrás deles, e todos eles são boas pessoas! — não deve comprar o livro. Não se contagie com o vírus daquelas ‘migalhas’! Migalhas? Mas ela da verdade só tem migalhas? Não encontrou palavra mais consistente para dizer do que sabe? Sei lá, resmas? Paletes? Gigas? Então, esta não é a era da Net? Não havia nexecidade!
Depois se prosa do género não faz o seu gosto, tenha cuidado, não se deixe contaminar. Leia outras coisas, ou nem leia, assim de certeza não se contamina!
Agora, defenda-se, previna-se decentemente, que vou transcrever algumas migalhas da Any:
«(Amor) Há quem pense que amar é só dar. Não é verdade. Amar é também ser capaz de receber e de acolher o amor de outra pessoa».
«(Criticar) Se conseguíssemos todos amar na proporção com que criticamos, certamente o nosso mundo transbordaria de amor».
«(Deus) Não é o meu espanto perante a grandeza do amor de Deus que é de admirar; o que espanta e causa uma admiração inexplicável, é que Deus ame e repare no nada que eu sou».
«(Julgar) Julgar os outros é fácil. Compreendê-los, nem por isso.»
«(Mentira) Seria mentira dizermos que não mentimos».
«(Morte) Se morrer fosse o fim, a vida seria uma caricatura».
«(Oração) Fazer oração não é falar de Deus, é falar com Deus».
... Eu não li mais. Fiquei contaminado. Nem sei como resisti até á letra ‘O’! Não lhe dizia? Não compre este livro que corre perigo! Se o levar para o quarto pode não dormir durante muitas noites seguidas. Cuide-se!

Aviso
Dentro em breve estará cá fora a segunda edição de Migalhas de verdade. Como quase pela certa perdeu a primeira, aproveite e telefone para o seu jornal (255 534 850) pergunte qual é a ‘boa causa’ e encomende um livro. Mas só aceite de for da segunda edição, porque a primeira tem vírus! Depois não diga que não foi avisado...

Tomás Moro
Nasceu em Londres em 1478, e ali morreu decapitado no dia 6 de Julho de 1535. Foi advogado famoso, membro do Parlamento e prestigiado juiz. Esteve ao serviço do seu país, servindo-o em diversos cargos, mas nunca privou a sua família da sua atenção. Na sua vida pública sempre actuou como intelectual empenhado sem desprezar o humanismo. Aos quarenta anos servia directamente o rei Henrique VIII, e aos cinquenta foi nomeado Lord Chanceler do Reino, cargo de que se demitiu dois anos depois. Íntegro e recto não desejava secundar o Rei que enviesava a lei e manipulava o Parlamento. Na sequência foi encarcerado durante ano e meio, foi processado, condenado e executado. No seu processo recusou ser defendido, por se encontrar do lado da verdade. Foi coerente até ao fim, e por isso morreu mártir por amor à verdade, à liberdade de consciência e à fé. «Morro como servo do Rei, mas primeiro de Deus» foram as suas últimas palavras.
Foi canonizado pela Igreja Católica em 1935; desde 1980, é também reconhecido como mártir pela Igreja Anglicana. O dia 31 de Outubro passado foi proclamado pelo Papa João Paulo II como Padroeiro dos governantes e dos políticos.
Vindos de muitas áreas políticas, culturais e religiosas centenas de políticos e governantes do mundo inteiro secundaram a petição de Francesco Cossiga, ex-Presidente da república italiana, ao Papa por causa do testemunho íntegro que o «Pai dos pobres» deu.
Numa época  em que a consciência dos que exercem funções públicas parece muitas vezes eclipsada, quando não poucos governantes servem o interesse pessoal e ou para sobreviver renegam a consciência, é animador verificar que existe, nas pessoas que se dedicam à política, a necessidade de um modelo (de santidade), de um ponto de referência. Este não podia ser melhor: é o homem que fugiu do êxito e do consenso fácil por fidelidade aos princípios que fundam a dignidade da pessoa humana e a justiça social.
Mesmo na iminência da morte Sir Tomás Moro manteve sempre o bom humor. Subindo para o cadafalso diz ao verdugo que lhe cortará a cabeça: «Ajuda-me a subir as escadas, porque de descer me encarrego eu»!
Eis o Padroeiro dos governantes e dos políticos! Foi político e cristão. Serviu a Deus e serviu o homem. Serviu a causa comum e a fé. Deu a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. E, falsamente, em nome da lei que serviu, roubaram-lhe a cabeça.
Um político que no cadafalso perde a cabeça é um grande desafio para os que o escolheram como padroeiro!


5’
Acontece que há noites em que oiço o que o papa português do Jazz manda: 5’ de Jazz. Não é por culto, nem por cultura. É que o transístor encravou naquela frequência... Uma destas noites cumpriu-se a emissão número 7979. A multiplicar por cinco dão muitos dias de música alternativa!
Em tempos também habituei-me a ‘ouver’ o José Duarte num programa de televisão. Também sobre Jazz. E o que me fascina no homem é a tenacidade. Cinco minutos todos os dias, passando música que a rádio portuguesa habitualmente não passa, é fidelidade e acreditar no que faz e, consequentemente, uma grande universidade a ensinar sobre o Jazz.
Há um spot de divulgação do programa de Jazz em que ele, na sua voz inconfundível, diz mais ou menos assim: “ouça Jazz. 5 minutos por dia, pelo menos! O homem merecia uma medalha. E se a não tem já, tem pelo menos o reconhecimento de muitos. Certamente não se importará com o meu, mas à minha maneira também o admiro.
Algum dia copio o José Duarte e digo: leia, leia 5 minutos da Bíblia ao menos cinco minutos todos os dias! Nem me parece muito, mas os benefícios nunca seriam de menos! Cinco minutos de intimidade com a Palavra (desa)sossegada do Deus que se revelou em Jesus Cristo (e já não tem nada mais para dizer senão dizer o que disse o Filho!) era muito aprender. Muito aprender!
Algum dia promovo a ideia. E depois ficarei à espera de noutro dia além poder dizer com o mesmo embargo na voz, como o J. Duarte disse esta noite: «gosto de números. Esta é a edição...»; e depois, simplesmente, lerei cinco minutos da Palavra.

1’
Certo homem atravessou mares e terras, a fim de pessoalmente verificar e testar, a excepcional fama do Mestre.
    Que tipo de milagres fez ele?, perguntou a um dos seus discípulos.
    Bom, respondeu o discípulo, existem milagres e milagres... Na sua terra, é tido como milagre o facto de Deus fazer a vontade do homem. Na nossa terra, o milagre consiste em encontrar um homem que faça a vontade de Deus!

[5 de Maio de 2001]

quarta-feira, 13 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Sexta-feira Santa
Ainda estamos em Páscoa, porque a Páscoa não é um dia mas cinquenta. Ao menos liturgicamente. Na realidade (e o domingo é disso imagem) todo o ano é Páscoa-passagem|memória-da-Paixão-Morte-e-Ressurreição-de-Jesus. Desde Quinta-feira Santa à tarde a Igreja já começa a celebrar o domingo de Páscoa. E não chegaremos a partilhar da alegria do Ressuscitado sem O contemplarmos morto. Sexta-feira Santa é isso: é alimentar a alma com o olhar olhando o Redentor na cruz. Está lá: morto. Morto porque morreu. Morreu por nós, e por isso está morto, mas parece majestoso na cruz. Inevitavelmente na Sexta-feira Santa com os olhos de Jesus olhamos a morte de frente! E vencemos porque, mesmo morrendo, Ele venceu a morte!
Parece que para muitos portugueses o ritual da Páscoa mudou. Como comunidade já não nos sentamos com Ele à mesa; já não O contemplamos morto; já não nos silenciamos diante da sua morte; já não celebramos a vitória da vida. O ritual é outro: ouvi dizer que, na Páscoa, um milhão foi a banhos! Talvez não tenham sido tantos, mas o certo é que viramos as costas ao Morto, abrimos o peito ao sol. Os poucos que restamos (a verdade é que não fiz as contas...) viveram, também à sua maneira, a Páscoa.
Pessoalmente, vou fazendo a minha no compasso da vida. E vou ouvindo, e vão comentando: «esta Páscoa é mais sangrenta que a do ano passado»! Quando escrevo isto é domingo de Páscoa — domingo da alegria pela vitória de Jesus! —, e o alcatrão das estradas portuguesas cobre-se de luto, veste-se com o vermelho do sangue. E eu penso: «Não pode ser». Nem acredito. Afinal é domingo, dia da vida, dia da vitória, e não Sexta-feira santa, dia da morte, dia da derrota! Como pode dar-se a inversão laica?
Os novos rituais do marketing e da gestão do stress transformaram a sexta em domingo, deram-lhe o tom de feriado laico; e o domingo da alegria tornou-se em sexta-feira de morte e de dor. É absurdo, mas é verdade.

ETA
Na terça-feira de Páscoa ‘almoço fora’. A televisão está ligada e nem damos conta. Quando começam as notícias afinamos o ouvido ao ouvir falar da explosão de fogo de artifício numa freguesia de Ponte do Lima. Seguem-se as imagens: não há pedra sobre pedra; uns quantos carros destruídos; um deles tem um enorme pedregulho que abateu parte do tejadilho e do porta-bagagens... Há destruição... Há mortos... Desprevenido o meu anfitrião comenta: «Nem a ETA»!
Desta não me lembraria nem eu...
Admira-me que não se verifiquem mais tragédias! E admiro-me olhando ao pouco que sei: ousa-se de mais, protege-se de menos; desafiam-se os limites (que há muito ultrapassaram as normas segurança...), comparam-se ‘foguetórios’. Há, parece, uma ousadia tola, uma inconsciência infantil!
As imagens de dor e destruição vão passando, e pergunto-me se já não nos basta ouvir os foguetes a rebentar ou precisamos de telever as tragédias? Quem brinca com o fogo queima-se, diz o povo. Mas ano após ano mostram-nos nova tragédia, nova devastação. E assustam-nos porque é assustadora a atracção do português pelo fogo de artifício! Tão assustadora como de intimidade tem com o perigo a vertigem que a sagrada tradição impôs, que o desafio exigiu, que o parecer bem faz estoirar nos ares.
É macabro perguntar: mas será que precisamos de continuar a assistir a essas tragédias? Ou ainda é mais que isso?

Damasco

O caminhante mais famoso de Damasco foi Saulo, S. Paulo. A caminhada até ficou mais conhecida pelo facto de Saulo ter caído do cavalo, quer dizer por ter radicalmente mudado de vida e de perseguidor de cristãos ter passado a cristão perseguido. Dois mil anos depois outro caminhante, João Paulo II, fez-se pelos caminhos de S. Paulo: Grécia, Siria e Malta.
Existem alguns pormenores interessantes nesta viagem. Na Grécia tudo foi calculado ao mais infímo pormenor. Tanto pormenorizaram os dirigentes da Igreja ortodoxa que queriam fazer do Papa um turista mais. Querem-no distante e afastado. Não conseguiram; impedido de se apresentar como sucessor de Pedro, e de rezar no Areópago, e de falar em ecumenismo, e de beijar a terra grega o Papa simplesmente pediu perdão. Esperavam-no orgulhoso e saiu-lhes humilde; queriam-no turista e foi de copo de sumo de laranja na mão, que, surpreendentemente, interpela os dirigentes da Igreja Ortodoxa: «E se rezássemos um Pai Nosso em língua grega?»!
Já na Síria, os mesmos dirigentes tocados pelo gesto de João Paulo escrevem-lhe apelando ao aprofundamento do conhecimento mútuo. Foi também na Síria, em Damasco, que pela primeira vez na história um Papa entra numa mesquita e é convidado a rezar! E mais uma vez pede perdão!
E lá continua o velho Papa como caminhante extenuando que parece ir cair a cada passo que ousa dar. Que mais surpresas nos reserva a sua alma de crente?

Silencioso e fiel

Morreu o meu Pároco, que por sinal era natural de S. Isidoro, Marco de Canavezes. Tinha quase 85 anos, 57 como sacerdote. Poucos me falaram tanto de Deus como ele. Há cerca de dez anos perdera a fala. E mesmo assim, à falta de sacerdotes continuou a celebrar a eucaristia.
Um dia levei um amigo comum a visitá-lo, e como nos aproximássemos da igreja paroquial e ouvíssemos um estranho monólogo sentimo-nos atraídos e entramos silenciosamente na igreja. E o espectáculo era este: celebrava-se a eucaristia! E o povo respondia ao celebrante, o P. João Marques, como se este falasse a sua parte do diálogo! Impressionante! Impressionante a forma como Deus se fazia ali presente e falava naquele diálogo a meias!
Viveu como Pároco de Gatão e Chapa durante 56 anos! E dali não quis sair nem mesmo quando ficou inválido, sem voz. Isso foi o que o Bispo disse, e disse que nunca pedira para dali sair! Era o nosso pastor e aquele era o rebanho que Deus lhe dera. E durante mais de meio século foi ele que nos levou para Deus. Agora que vive glorificado em Deus só lhe peço que continue a falar com Deus rezando por nós.

[21 de maio de 2001]

segunda-feira, 11 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Irredutíveis
Na terça-feira, 1 de Maio, subi a Penhalonga para presidir a uma eucaristia de acção de graças. Coisa natural... O que já não vai sendo muito natural é que isso se faça porque nasce um rancho folclórico! Claro que sabia ao que ia, e rejubilei ainda mais ao ver que o rancho era afinal infantil e estava apadrinhado e bem pelo rancho da Maia e o de S. Sebastião de Resende. Parabéns. Saí de lá com as mãos cheias de amigos e o coração em festa. De tarde não pude ir ao bailarico e fiquei com pena, mas dei graças ao Deus da alegria pela primavera que vai despontando. Aquelas crianças levam-me a confiar que alguns pedacinhos da nossa história e da nossa cultura tardarão muito a desaparecer. Já pode vir o inverno, e sermos invadidos pelo exército da música anglo-saxónica, porque os nossos defensores já estão ali naquele pequenino reduto de irredutíveis penhalonguenses. E confio que não sejam os únicos.
Agora só fico à espera que gravem um CD!

Sinal +
No fim de semana 5-6 de Maio realizou-se o Fátima Jovem sob o lema «Vem e segue-Me». Éramos não sei quantos milhares de jovens sob o signo da cruz e do seguimento, do encontro e do plus da alegria mais. Apesar de reduzido no programa foram muitas as actividades. Centro-me nas palavras de D. Serafim, bispo de Leiria-Fátima que presidiu à eucaristia de encerramento: «A cruz presidiu ao vosso encontro como um sinal. A cruz é um sinal e um desafio. Não deixeis de seguir o sinal mais da cruz e de ouvir a palavra do Mestre que te diz ‘Vem e segue-me’!».
Era o Domingo do Bom Pastor e da oração pelas vocações consagradas. E o Fátima Jovem foi todo ele marcado pelo sinal + da vocação! Seria bom que o sinal + se multiplicasse em muitos corações e produzisse frutos ainda + saborosos, adesões + coerentes, seguimento + consequente, vida + santa, comunidades + vivas, testemunhos + credíveis, grupos + arrojados e + comprometidos.
Sinceramente, eu aposto por um século de sinal +!

Terceira idade
Ao passar os olhos por uma revista leio o texto de um velho. Vou resumi-lo: tenho 82 anos, sou velho, doente cheio de achaques e débil. Quando era novo, era forte, robusto, desportista e cheio de saúde. O único desporto que como velho estou capaz de praticar é o humor! Os jovens querem os velhos como testemunhas do passado e inspiradores do futuro. É este o nosso tesouro. Continua o velho: Antigamente coleccionei anedotas, mas perdi o caderno; agora colecciono máximas de sábios. Vivo mais livre que quando era novo, e pelo menos três horas do meu dia dedico-as ao estudo. E conclui: tenho algumas preocupações que procuro nunca esquecer. Resumem-se assim nunca perder a confiança nos meus esforços nem nas minhas possibilidades; não procurar que os outros tenham de sofrer também pelos meus males e que sejam obrigados a ter pena da minha solidão; aceitar sempre de bom humor a ajuda dos outros; fazer sempre qualquer coisa de útil para os outros, ainda que seja só um sorriso ou um olhar.
Em conclusão: ainda que o peso da vida pese demasiado nunca é chegada a idade da reforma!

Arte
Chama-se Fernando Lanhas, tem 78 anos e é do Porto. Foi o introdutor do Abstracionismo geométrico em Porugal. Até 7 de Julho estará em exposição no Museu de Arte Contemporânea, em Serralves. No correr da notícia que surfava nas ondas da rádio foi só o que apanhei. Deve valer a pena, porque um Presidente da República também deve inaugurar exposições, mas não qualquer uma.
Pessoalmente tenho um eterno conflito com a arte moderna. Desde que me obrigue a interpretar cavalos a trote onde quem está a meu lado afirma a pés juntos ver estrelas-do-mar-numa-manhã-triste-de-Outono abriu-se o conflito. Por isso, da primeira vez, quando ouvi que era sobre arte contemporânea nem liguei. Mas como no mesmo dia ouvi quinze vezes a mesma notícia até a cansada voz do homem se me gravou no fundo da alma. E o que ele dizia. E dizia mais ou menos que esta exposição é um repositório de muitos percursos em retrospectiva. E até é criticável, porque não soube fazer melhor!
Confesso a minha ignorância: não conheço Fernando Lanhas. Mas um homem que tem a humildade de dizer que não conseguiu fazer melhor merece o meu respeito. Quem diz que amanhã se sentará sobre o saber acumulado até hoje para inventar um novo percurso merece o meu reconhecimento. Quem no meio de uma exposição-repositório chama esboço à longa retrospectiva que apresenta ao público merece que eu a vá ver e aprender com ele|com ela alguma coisa. É o que procurarei fazer, mesmo sabendo que quando lá for o homem que encontrar (encontrar-se com a obra de alguém é encontrá-lo a ele também, ou não?) já andará por outros caminhos, trotando outros esboços, de pincel em riste, desafiando moinhos de vento e pintando nas velas as delicadas estrelas do mar.

Vaso novo
Hokusi foi um dos mais famosos artistas japoneses do século XVIII. A ele se deve um belíssimo jarrão onde pintou uma magnífica panorâmica da Fuji-Yama, a montanha sagrada. Mais tarde, ainda em vida do pintor, alguém deixou cair o jarrão e este partiu-se. Todos lamentaram a perda de tão preciosa peça de arte. Chamaram o artista. Este simplesmente pegou nos fragmentos e com  muita paciência foi reconstituindo a obra. Porém, desejou recordar o acontecimento que havia quebrado a história daquele belo jarrão e assinalou todas as juntas com um delicado fio de ouro. Em consequência o jarrão tornou-se mais bonito do que era antes!
Não há ressurreição sem morte. Páscoa feliz.

[7 de Maio de 2001]

domingo, 10 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Chuva
Lembro-me de há uns anos a seca ter sido tanta que alguns lugares mandaram sair os padres e os bispos para os campos e implorar de Deus o dom da chuva. Não foi há muito tempo. Quase pareceria que foi ontem não fora vermos a chuva que choveu durante quase meio ano!
De Deus tudo nos vem, menos o mal. O Filho que Ele nos enviou ensinou a pedir sem cessar, porque o Pai, nosso e d’Ele, é bom. Quer dizer é bom como um pai bom. Mas é muito melhor. Porque se um pai bom é capaz de nos dar coisas boas, que coisas nos não dá Aquele que é dono de tudo e Pai bom e Pai nosso?
Também aprendi que Deus nos atende, atende sempre. Nunca deixa pedidos guardados no livro do deve e haver. Diz S. João da Cruz que Deus sempre concede o que lhe pedem; acontecerá, porventura, que o que concede não é segundo a forma que pedimos, mas segundo o que Ele entende ser o que mais necessitamos. E até dá mais do que pedimos. Ah!, e S. João da Cruz ensinava ainda outra coisa: não se deve pôr nem datas nem fronteiras a Deus. Ele que é fiel e nos ama jamais se esquecerá de nós! Por isso depois da seca veio a chuva e virá o bom tempo para as sementeiras e para as colheitas. Não tenho dúvidas, embora a água tivesse sido demais para as nossas fronteiras.
Às vezes, porém, num exercício de impaciente humildade desço lá baixo e pergunto ao senhor Bernardo: «Senhor Bernardo, que tem vamos ter amanhã?». E ele olha, fareja o tempo e responde com sabedoria: «Olhe, tem chovido muito. Se calhar nem me lembro de um Inverno assim. Ontem choveu, de noite choveu, hoje choveu, a semana passada também. Amanhã não sei...». E enquanto tira o chapéu, descobrindo a cabeça, conclui: «Não sei que lhe diga. Irá chover? Irá fazer bom tempo? Não sei. Deus é que sabe, Deus é que pode». E pode. E é bom. Por isso é que Lhe rezamos nem só para pedir.

Rosto
No sábado passado, 14 de Março, fui entrevistado por três criaturas especiais. A Rita (7 anos), a Patrícia (11 anos) e o Duarte. A última pergunta foi sobre a reportagem à volta do Verdadeiro rosto de Jesus. Só a Rita não sabia do que se falava porque não tinha visto a reportagem. Eu também não, mas por outras razões. A verdade é que na idade dela eu também preferiria o programa dos desenhos animados. Naquele tempo o Sandokan.
Como dizia a última pergunta era mesmo sobre o Verdadeiro rosto de Jesus que uma universidade inglesa descobriu! Tudo correu bem até ao fim, na pergunta e na resposta. O pior, digo, o melhor veio no fim. De microfone fechado a Patrícia (que havia feito e bem a minha descrição-apresentação no início do programa) disse-me: — «tu és parecido com Jesus!». A Patrícia é simpática, acontece, porém, é que o Verdadeiro rosto de Jesus é bastante feio! Logo a boa intenção daquelas simpáticas palavras até nem era um elogio por aí além!... Mas já lá vamos...
E vamos ao Verdadeiro rosto de Jesus e aos meus espantos sobre o tema. A minha primeira reacção foi pensar numa bem montada operação de marketing usando o veículo que é o rosto de Jesus. E se calhar é verdade. Convenhamos que quem dois mil anos depois descobre o Verdadeiro rosto de Jesus merece toda a credibilidade e confiança! Mas o tema obriga-me a outras observações. Assim, observo e espanto-me que o rosto de Jesus seja ainda muito procurado. E é-o; e cada vez  mais por aqueles (como parece ser o caso) o buscam pelos caminhos da ciência e não da fé! Muitos são os que buscam o rosto de Jesus, alguns não O conhecem de lado nenhum. Não O conhecem. Não O amam. Não O seguem. Mas buscam o seu rosto... E isso é fantástico! E responsabilizante: ora se muitos há que buscam Jesus a verdade é que também nós, seus discípulos (e irmãos!) devemos arriscar, sem medo, uma resposta. E nós sabemos onde Ele está e conhecemos o Seu rosto. Havemos, portanto de apontar o seu rosto naqueles que Ele mais ama: o rosto dos pobres!; o rosto dos desfavorecidos!; o rosto dos excluídos!; o rosto dos marginalizados!; o rosto dos esquecidos!; o rosto dos-sem-rosto!; o rosto dos irmãos! Foi com eles que Jesus se identificou. Para aqueles a quem ninguém vinha nem a quem ninguém ia Jesus é Salvador. Identifica-se com eles, transforma-lhes as expectativas, e a eles e a nós mandou Amai-vos uns aos outros como eu vos amei! Pois, se vos amardes uns aos outros Deus permanece em vós!

Páscoa
Esta é uma anedota pascal que não se devia contar. E é também a prova de que o veículo é mau, mas o conteúdo é bom; a forma não é a melhor, mas a mensagem é proveitosa.
Pergunta: porque é que Jesus não escolheu os homens como primeiras testemunhas da Ressurreição?
Resposta: porque se queria que a notícia fosse conhecida devia revelá-la a quem não fosse capaz de a guardar em segredo!
Eu não dizia que era uma anedota que não se devia contar? Perdoem-me as mulheres; e aprendam delas os homens a ser no testemunho da Ressurreição tão bons quanto elas! Continuação de Santa Páscoa.

Correcção
Avisaram-me que deveria fazer duas correcções às últimas Notas. Assim quando falava de CE (Comunidade Europeia), deveria dizer UE (União Europeia). E quando falava do Censos de 11 de Março realizado pela Igreja deveria ter falado do Recenseamento da prática dominical. Ninguém é perfeito, e corrigir não custa.

[17 de Abril de 2001]

sexta-feira, 8 de março de 2013

Notas de Roda-pé


Euro
Quando o Euro foi aprovado numa cimeira da CE a melhor tirada foi a do senhor Engº António Guterres. Dadas as suas raízes nem estranhou: —E sobre este Euro fundarei a Europa. Não posso precisar se disse a Europa ou a nova Europa. E talvez nem seja importante. Ressoam ali palavras evangélicas, mas como dizia nem é de estranhar.
Ouvi dizer, por estes dias, que uma qualquer comissão europeia elogiou Portugal (talvez à falta de melhor razão, quem saberá...) pelo empenho que tem posto na divulgação da nova moeda, o Euro. E parece que os elogios nem iam para os esforços oficiais, mas para o empenho da Igreja em explicar aos seus a realidade da nova moeda. Sabendo-se das nossas raízes a descoberta deste veio pelo marketing político-económico também não é de estranhar. Para dizer a verdade e responder a quem me vai perguntando, no nosso Santuário tal ainda não se faz nem recebemos in-formação para tal. Mas quem parece ter recebido mais elogios da tal comissão europeia foi um tal senhor reverendo de Ourique que decidiu (é o que a notícia dizia:) pregar o Euro!
Sempre ouvi dizer que a nossa missão é outra, a de pregar a Verdade. Não me fere o desajuste; não me incomoda a descoberta; até me agrada que tal serviço público seja feito. Mas, pronto, já me espanta a inversão do discurso. Nós só temos uma Palavra para ser dita e não é certamente o Euro!
Bem pode o cardeal Joseph Ratzinger pregar, como o fez no início do mês de Março na Faculdade de Teologia da UCP – Porto, que os fundamentos espirituais da Europa são as raízes cristãs e que sem referência a elas a Europa não se aguentará. Bem pode...

Greve
Já que estamos com a mão na massa deixo por escrito o que ainda não tive coragem de dizer, embora algum dia o diga e reflicta numa homilia. Que se passaria se um dia nós, os padres, fizéssemos greve durante um mês? São só quatro ou cinco domingos, mas como não trabalhamos só ao domingo muito ficaria por fazer. Ainda ninguém me respondeu porque ainda não perguntei a ninguém. Mas que se passaria na sociedade portuguesa se fizéssemos greve durante trinta dias? E se fosse no tempo à volta da Páscoa, porque para ter efeito elas devem situar-se onde mais doem?
Parece-me que nos querem amansar. Não sabem, a verdade é essa, nunca ouviram dizer que o profetismo nunca foi nem será uma fera. Querem a Igreja num cantinho, acomodada a assistir e, no máximo, a fazer zapping. Lá querer querem...
Ainda não são conhecidos os dados do Censos que a Igreja realizou no passado dia 11 de Março. Vozes colaterais dizem-me que na Roma portuguesa e em relação ao Censos de 1991, a participação dominical descerá para metade! O resultado do Censos ajudará a responder à questão da greve. Mas não responderá totalmente. Como também não chegará uma resposta que avalie a questão apenas pelo lado da rotina. É que ser-se cristão não é uma questão nem de hábitos nem de acomodação, mas de vida, de compromisso, de vida comunitária vivida em fé, esperança e caridade. E a verdade é que para isso também são precisos os padres.
Também ainda não sei responder à pergunta, mas sei que as consequências não seriam visíveis apenas na Igreja e quase aposto que as menores até se passariam dentro da igreja. E já agora, convém lembrar palavras recentes do senhor Cardeal Patriarca: não são os ataques que vêm de fora que nos preocupam. Esses sempre nos fortaleceram, lembro eu...

Morte
Morreu um sacerdote. Morrem muitos. Cada vez mais. E cada vez menos são os jovens que se ordenam. Este chamava-se Javier Gafo e era espanhol. Quem anda por estas margens às vezes encontra estes nomes em livros, artigos, textos e não sabe que tipo de pessoa ficou do outro lado. Eu já o conhecia de alguns títulos, mas nem sabia que o homem ainda vivia. Agora que ele morreu fiquei a saber coisas que me alegram por o ter conhecido. Num dos seus textos diz: «No fim da minha vida desejo que eu seja recordado pelo maior dom que recebi de Deus: ser sacerdote!». Ainda não tinha 60 anos e foi grande parte do tempo pároco em Madrid. Foi também escritor, colaborador de revistas, pregador, cientista-biólogo, professor, conferencista. E também disse o que muitos dizemos: «Não, não quer morrer. Nem quero que morra para sempre nenhum daqueles que eu amei, nem nenhum ser humano. Quero encontrá-los de novo no universo de Deus. Estou convencido que Deus, amigo da humanidade e amigo da vida, nos voltará a juntar...». Era, só podia ser, um homem de fé. E assim falava. E assim morreu.
Muita gente em Espanha falou da sua morte. Do que ouvi retive um pequenino título: «Sempre fiel!». Título muito pequenino, mas para quem tanto escreveu, opinou e ensinou é um grande elogio.
Era um homem que cruzava culturas e saberes, com fidelidade. Por isso gostava de saborear uma frase de um místico muçulmano, Ibn Arafí: «Aquele que conheceu Jesus contraiu uma grave doença que não se pode curar.».
Não admira que tenha morrido fiel!

Hallelu-Yah
Aleluia! Ressuscitou! Completaram-se as maravilhas de Deus! Louvai a Yah(vé), louvai a Deus! Alegrem-se em júbilo o monturo e o descampado, os bosques e as praias, as cidades e o campo. Ressuscitou!
Os de fora com a colaboração de um de dentro e a indiferença e o medo de todos levaram Jesus à morte. Mas não sabiam — como poderiam saber o que só depois se pode aprender? — que a sua morte mataria a falsa vida para nos dar a Vida! Dar sim, mesmo sabendo que não saberíamos receber, que teríamos de nos converter por não estarmos preparados para receber mais do que somos capazes de receber! São assim as medidas de Deus: escusados exageros! E por isso morremos porque a Vida não cabe nem se saboreia em plenitude desde este tosco e acanhado copo de vinho que somos! Como conter uma pipa de vinho apenas num copo? Só partindo o copo.
Aleluia! Ressuscitou! A salvação, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus, porque os seus julgamentos são verdadeiros e justos.
Aleluia! Ressuscitou! Ó feliz culpa que nos trouxe a alegria!

[9 de Abril de 2001]